terça-feira, 19 de agosto de 2014

CRÔNICA (WI)

PROJETOS MIRABOLANTES
As maluquices que inundam o Brasil desde o Império
Wilson Ibiapina*


José de Salles era Oficial de Justiça em Fortaleza. Com quase dois metros de altura, só andava de terno escuro e com um chapéu de madeira na cabeça. Na terra de baixinhos, Zé de Salles era notado por onde passava com seu andar meio capenga.

Ele ficou famoso também por tocar bandolim no programa A Hora da Saudade, que José Limaverde apresentava nas noites das segundas na Ceará Rádio Clube. Ele ensaiava numa oficina de consertar violões e outros instrumentos de corda, que ficava na Avenida Padre Ibiapina, bem em frente ao Sesi.
A audiência do programa do pai do Narcélio e do Paulo ajudou a popularizar a figura do Zé de Sales, que logo- logo disputou uma cadeira na Câmara Municipal de Fortaleza. Um dos projetos do Zé de Salles prometia encanar o vento da serra de Guaramiranga para Fortaleza, como forma de amenizar o calor. Quilômetros e quilômetros de canos descendo a serra rumo ao litoral. Ainda bem que ele não foi eleito.

Essa coisa de canalização atormenta os legisladores e administradores públicos desde o começo do Brasil. Em 1670, o governo português decidiu canalizar a água do rio carioca, descendo o morro do Corcovado até o centro do Rio de Janeiro. No audacioso projeto foram usados canos de madeira. Em pouco tempo apodreceu tudo.

Um outro governante carioca apresentou um projeto parecido com o do candidato a vereador de Fortaleza. Igualmente ambicioso, mandava derrubar o Pão de Açúcar, com o objetivo único de melhorar a ventilação da cidade. O projeto que acabava com o morro, que é um dos símbolos da cidade maravilhosa, foi aprovado pelo Visconde de Ouro Preto, Presidente do Conselho de Ministros. Uma firma inglesa chegou a ser contratada para fazer a demolição, que só não ocorreu por causa da proclamação da República. O projeto foi esquecido.

No Ceará, um espirituoso deputado pediu ao Governador do Estado que lhe doasse uns canos furados que ele vira no pátio da Secretaria de Agricultura. O Governador imediatamente atendeu. Meses depois o Secretário de Agricultura comunica que o projeto de irrigação que seria inaugurado no interior teve que ser cancelado. Os canos que seriam usados no projeto simplesmente desapareceram. O governador manda chamar o deputado, achando que tinha sido enganado por ele:

Você disse que os canos estavam furados.

Sim, Governador, o Sr. Já viu cano sem ser furado?

O Rio de Janeiro, em várias ocasiões, esteve sob o comando de desastrados administradores. O historiador Milton Teixeira chegou a reunir 35 fatos que mostram quão loucos foram alguns desses administradores do Rio.

O jornalista Mário de Moraes, que ficou famoso escrevendo reportagens nas páginas da revista O Cruzeiro, conta que Milton Teixeira gastou dias fazendo pesquisas no Museu Histórico do Exército e no Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural. Ele queria reunir dados que comprovassem a veracidade de suas histórias.

Mário de Moraes conta duas outras histórias saborosas, levantadas pelo referido historiador. Após a independência, o Brasil precisou formar seu próprio Exército. Como tinham que correr contra o tempo, o jeito foi contratar mercenários alemães. O major Von Ewald, em 1825, era o comandante da tropa. Na época, a mais famosa e rica prostituta do Rio era a Gertrudes. Mulata bonita, morava em uma mansão em Botafogo. Bastou uma noite de amor para que o major Von Ewald se apaixonasse. Para azar do alemão, Gertrudes não queria nada com ele. No desespero provocado pela rejeição, o major comandante mandou sua tropa desfilar em frente a residência de sua amada, em Botafogo.

Como não surtiu efeito, ele engendrou plano mais diabólico para tocar os sentimentos mais profundos de Gertrudes. Não se sabe como ele conseguiu as ligas íntimas de Gertrudes, que mandou prender à Bandeira do Brasil e desfilou com ela em frente a Dom Pedro I. O apaixonado major teve que fugir do país para escapar da corte marcial.

Em reportagem escrita no jornal Terceiro Tempo, Mário de Moraes conta que o Brasil entrou no século XVIII dominado pela violência que se alastrava pelas ruas do Rio. O governador do Rio, Luiz Monteiro, desencadeou uma campanha contra ladrões, criminosos e corruptos que infestavam a cidade. As cadeias ficaram abarrotadas.

Foi preciso alugar casas, que foram improvisadas como presídios. O governador, não contente, pegou a caneta e escreveu o seguinte bilhete ao Rei de Portugal: “Senhor, nesta terra todos roubam, menos eu”. O Rei, acreditando que seu governador ficara louco, mandou prendê-lo, também.

Esses legisladores e governantes pirados continuam existindo no país. A exemplo do que ocorreu em Nebraska, Estados Unidos, onde o governador mandou construir uma pista de pouso para extraterrestres, aqui no Brasil o dinheiro público também foi usado na construção de pista de pouso para disco voador. Perto de Barra do Garças, está o primeiro discoporto do Brasil. 

A jornalista Carla Fagundes me mostra o recorte de jornal que prova que o prefeito de Bocaiúva do Sul, que fica perto de Curitiba, também teve essa brilhante ideia. Élcio Berti anunciou a criação de um aeroporto para discos voadores, batizado de Ovniporto. Ele disse que “é uma coisa do futuro”.

A lista de projetos inusitados não para de crescer em pleno século XXI. Tramitam no Congresso projeto de lei que proíbe a palmada em criança. Outro que proíbe o beijo em público de pessoas do mesmo sexo.

E não adianta transparência nas contas públicas governamentais. Os desmandos acontecem desde que o Brasil foi descoberto. Sempre soubemos dos exageros, por exemplo , da Família Imperial, que gastava uma fábula em dinheiro para manter palácios e residências nos quatro cantos do Rio. E, como hoje, aumentava os impostos, deixando indignados os brasileiros que moravam longe da corte, que já não se conformavam com as notícias de favoritismo e corrupção.

Para ajudar nos gastos da Família Real, Dom João vendia até títulos de nobreza. O historiador Pedro Calmon escreveu que para ser Conde em Portugal eram precisos 500 anos. No Brasil, bastava 500 contos. Dom João VI, segundo o historiador Patrick Wilcken conta no livro “Império à deriva”, criou 28 títulos de marqueses, 8 de condes, 16 viscondes, 21 barões e mais de mil cavaleiros.

A comunidade tem o direito de saber onde o dinheiro dos impostos é empregado e pode até questionar qual a melhor maneira de sua utilização. Só não vamos nos livrar é desses malucos criativos. Eles vão continuar angariando a simpatia dos eleitores e estarão sempre preparando projetos que consideram geniais, sempre “com a melhor das intenções”.

*Wilson Ibiapina
Jornalista
Diretor da Sucursal do Sistema Verdes Mares de Comunicação
em Brasília - DF
Titular da Cadeira de nº 39 da ACLJ

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