terça-feira, 12 de agosto de 2014

CRÔNICA (RV)

A DANÇA DAS CADEIRAS
Reginaldo Vasconcelos*

É estanque o estoque de amigos de infância, de adolescência, de juventude, de modo que não se os pode repor quando se vão. Na maturidade, podem-se encontrar bons parceiros, é bem verdade, mas aqueles com quem compartilhamos a conquista das primeiras namoradas, com os quais pulamos o muro do colégio para fora, o muro dos clubes para dentro, esses não se podem compensar com amigos novos.

 Leonardo Braga 
( 1988)
O problema com os velhos amigos é nunca saberem eles, dentre eles, quem vai morrer primeiro, à medida que envelhecem. A propósito, aos meus camaradas de juventude eu vou pedir a gentileza de pararem de descer à campa e subir ao éter de inopino, alguns sem qualquer aviso prévio, levando consigo um grande passivo de perdões e de abraços fraternos que não me deram a chance de cobrar ou de cumprir.

  Ricardo Ximenes  
( 2011)
Isso não é justo. Quando o último já se cristalizou entre os seres de uma esfera mais sublime, adquirindo o charme dos ausentes perpétuos, que não precisam mais sequer continuar a envelhecer, outro deles, que até ontem tomava cerveja com a gente, filosofava com a gente, brincava com a gente o carnaval, embriagado de alegria, deixa de repente de ser gente como a gente para ser outro querubim austero, distante e silente, assumindo a diáfana consistência das lembranças.  

Cada amigo velho que se vai leva consigo ao desmundo e ao destempo grande parte do que sou, desfalcando o meu tesouro de afetos, prejudicando todo o investimento feito em décadas de cumplicidade e parceria, de companheirismo e confiança, na troca construtiva de críticas sinceras e de longas confidências fraternais.

Antônio Ellery
Arcoverde Diniz
(
†2014)
Aqueles com os quais sofremos problema com a polícia por algum excesso juvenil, com quem bebemos e fumamos as primeiras porcarias, estimulados pelo prazer da rebeldia, com os quais flanamos furtivos pelas ruas da cidade com o carro da família, pela estética da transgressão, ainda sem idade para a habilitação de motorista, esses são seres únicos, que nos vão depois abandonando rumo ao Éden, um a um. É muito chato.

Leonardo Braga se ausentou para os campos místicos na mesma noite de chuva em que, em mesa de bar, me convidara para padrinho do filho que acabara de gerar, e que a mulher abortou ante o choque de sua morte acidental, que, com o coração despedaçado, lhe fui eu comunicar de madrugada. Subitamente sem meu jovem advogado, cursei Direito e assumi o seu anel de grau, legado afetivo que a viúva decidiu me transferir.

Ricardo Ximenes foi chamado anos depois, descendo ele ao sumidouro ontológico lentamente ante meus olhos, e agora o Arcoverde (a quem aquele amigo me introduzira muito antes, e com quem chorei e bebi a sua perda) se abalança ele mesmo de repente à jornada ignara, no final do mês passado, desertando do mundo sem amplexo de adeus e sem sequer acenar um lenço branco – e agora, sem o médico de confiança da família, já não tenho tempo de ingressar na medicina. É muito grave.

*Reginaldo Vasconcelos
Advogado e Jornalista
Titular da Cadeira de nº 20 da ACLJ

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