segunda-feira, 25 de agosto de 2014

ARTIGO (RMR)

A ERA DAS MANIFESTAÇÕES
Rui Martinho Rodrigues*

Eric Hobsbawm escreveu Era dos Extremos, Era dos Impérios entre outras. O historiador britânico poderia escrever, hoje, a Era das Manifestações. Cerca de oitenta países têm vivido movimentos de ruas. 

Norberto Bobbio escreveu A Era dos Direitos, manifestando preocupação com a ameaça do que considerou excesso de demandas, viabilizadas pela democracia, voltando-se contra a ordem democrática. Poderíamos acrescentar: as formas de luta e a fragilidade da democracia confluem perigosamente.

Expectativas ilimitadas chocam-se com recursos limitados e mal administrados, apimentadas pela frustração de expectativas legítimas e mínimas. 

Estimuladas as reivindicações pelos formadores de opinião, concomitantemente a espetacularização da política e a ampla difusão de informações, desnudando as mazelas do poder político, fragilizadas as instituições pela desmoralização dos seus condutores, as manifestações ultrapassam da fronteira dos distúrbios. Sim, o que na velha Europa é considerado distúrbio, no Brasil a imprensa classifica como manifestação. 

Ressalte-se que as condições materiais de amplas parcelas da nossa população se constituem em solo fértil para a insatisfação aguda. Some-se a tudo isso o fato de que se tornou consensual a visão segundo a qual, ao nascer, o sujeito se torna ilimitadamente credor da sociedade e do estado. 

A terceira geração dos direitos, caracterizada por comandos vindos da sociedade e dirigidos ao estado; e por prestações positivas (obrigações de fazer), conferindo exigibilidade aos direitos sociais, contribuem para alimentar as manifestações. Direitos máximos sem ter o mínimo; autoridades e instituições desmoralizadas; formadores de opinião entusiasmados com os movimentos de rua: eis o quadro.

A Argentina é o país das manifestações. Triste exemplo. A Suíça, de onde não se tem notícia de movimentos de massa, é modelo de sucesso. Tais coisas não abalam a fé nos movimentos de rua. A influência dos jesuítas continua presente, com a marca da contrarreforma; do “crê ou morre”; com o nome e disciplina de organização militar; espírito messiânico; e com a não-ética dos fins, atestando a longa duração na História, principalmente nas camadas letradas de onde saem os formadores de opinião. Arregimentar, formar rebanhos obedientes, disponibilizando uma massa aguerrida e dócil aos seus dirigentes, tornam agudas, no Brasil, a era das manifestações.

Novos convertidos ao credo democrático, tornamo-nos excessivamente virtuosos, na forma do politicamente correto: órgãos de segurança tolhidos em sua capacidade operacional na presença da imprensa; máscaras toleradas; grupos organizados para promover depredações, obstrução de vias e saques não são indiciados por formação de quadrilha. Confundimos o direito à luta por meios democráticos com o direito à prática do crime.

*Rui Martinho Rodrigues
Professor – Advogado
Historiador - Cientista Político
Presidente da ACLJ 
Titular de sua Cadeira de nº 10

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