CUSCUZ PAULISTA
Totonho Laprovitera*
Moro no Mucuripe, bairro que guarda as qualidades de lugar simples
e de personalidade forte. Aqui, eu bem me sinto como se estivesse na Fortaleza
de antigamente, pois os bons costumes são conservados, como, por exemplo, as
cadeiras na calçada para boas rodas de conversa ao entardecer.
Ao amanhecer, é comum ouvir um galo cantar, anunciando o nascer do
dia. Pessoas em paz varrem suas calçadas e outras, tranquilamente, andam pelo
meio da rua. Até parece cidade do interior.
As bodegas vendem fiado, os bares somente à dinheiro e as
mercearias ainda trabalham com a velha caderneta. Todos se conhecem e se tratam
pelo nome – muitos apelidos – dão-se “bom dia”, “boa tarde” e “boa noite”.
Pedem “com licença” e “por favor”, respeitam-se e se ajudam.
Hoje, acordei com o costumeiro anúncio do vendedor ambulante, com
aquele vozeirão de tenor alencarino, atroando repetidamente: “Cuscuz Paulista!
Cuscuz Paulista! Cuscuz Paulista!” Daí, pulei da minha velha rede e o
chamei:
– Freguês, aqui em cima, na janela!
– Vai querer quantos?
– Dois.
– Muito bem...
Avexado, desci à portaria do prédio para pegar o manjar e, enquanto
ele separava os cuscuzes e eu folheava o pagamento, contando as cédulas de
"couro de rato", puxei assunto:
– O senhor mora aqui perto?
– Longe...
– Longe onde?
– Barra do Ceará.
– Vixe! De lá pra cá é chão...
– De ônibus, dá 13 quilômetros e leva uns 45 minutos pra
chegar.
– Quer dizer que você vem de ônibus?
– Um pedaço, de ônibus, mas, a maior parte, à pé...
– Pela distância, então, vale a pena vir vender por aqui, né?
– Tenho uma boa freguesia por aqui, mas né só por isso, não.
– E por que mais?
– Doutor, se Deus quiser, um dia ainda moro neste Mucuripe!
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