CONVICÇÕES POLÍTICAS
Rui Martinho Rodrigues*
Alexis de Toqueville (1805 – 1859), na obra Democracia na América,
vaticina a grandeza dos EUA. Fundamenta a previsão otimista no fato de que os
partidos políticos, naquele país, eram lastreados por interesses, não por
convicções. Acrescenta que as agremiações políticas francesas tinha convicções
como arrimo, o que aumentava as probabilidades e impasses, dificultando a
governabilidade. Interesses divergentes podem chegar a alguma composição porque
podem transigir e percebem na superação de conflitos uma vantagem. Assim o é
porque interesses relacionam-se com a ética da responsabilidade.
Convicções são intransigentes. Relacionam-se com a ética igualmente
adjetivada. Transigir, para convictos, equivale a traição de verdades
ontológicas, renúncia a valores como que sagrados. Frequentemente tais valores
são associados ao tema do “mundo melhor”, do “justo” e de outros temas com um
certo sentido confessional. O convicto se sente responsável pelo bem da
humanidade.
Não por acaso, extremista é quem busca o confronto, nas
oportunidades de diálogo, afastando os pontos de possível convergência. A
convicção é inimiga da tolerância. Esta se fundamenta no falibilismo lembrado
por Karl Raymond Popper (1902 – 1994).
Partidos de convicção são sectários. Os seus integrantes, qual o
cavaleiro Dom Quixote, de Miguel de Cervantes (1547 – 1616), vivem obcecados por
um vilão para combater e por uma vítima para salvar. Têm como montaria teorias tão
precárias quanto o Pangaré, cavalo do cavaleiro aludido. O DNA do seu discurso
maniqueísta pseudolaico é confessional. O “nós e eles” que orienta os partidos
de convicção sataniza o outro e tem uma autoimagem de santo guerreiro.
Convicções substituem conhecimento objetivo. Quando a ignorância cresce as
convicções se tornam mais fortes. O preparo intelectual dos políticos está em
declínio. Já não temos no parlamento figuras da estatura moral e intelectual
de um Adauto Lúcio Cardoso (1904 – 1974) ou Afonso Arinos de Mello Franco (1905
– 1990).
A política sempre apaixonou e dividiu. Mas os partidos de convicção
exacerbam esta tendência. O mundo tornou-se mais baixo, mais grosseiro, mais
chulo. As formalidades que tinham a função de algodão entre cristais, como o
uso de expressões como excelência, ilustríssimo, digníssimo, ou, simplesmente, senhor, estão desaparecendo, ou perdendo a capacidade de moderar os embates. As
vestes talares, usadas em lugares onde se entrechocam interesses e paixões,
como togas ou simplesmente terno e gravata, perderam o encanto.
As redes sociais potencializaram a comunicação instantânea,
ensejando pronunciamentos sem uma reflexão prévia, sem um estudo que sirva de
embasamento. Isso aqueceu a temperatura das disputas. Comunicados limitados a
140 caracteres, na internet, enceram a figura do “sábio de pequenas frases”, da
cultura de meia dúzia de palavras. A pós-modernidade é fragmentária e superficial.
O Ministério Público, juntamente com a Polícia Federal e a
magistratura de primeiro grau despertaram para os delitos cometidos pelos
políticos corruptos. O medo da cadeia acicatou integrantes das altas esferas da
República, que, temerosos, reagem agressivamente, com desprezo pela civilidade e
abandonando as aparências. Trocamos a hipocrisia pelo escárnio, conforme
palavras da ministra Carmem Lúcia Antunes Rocha.
Tudo isso já seria suficiente para conturbar o ambiente. Intrigas
palacianas sempre foram presença constante nos círculos do poder. No mundo mais
grosseiro, porém, está mais perigosa. A cereja do bolo, do que passou a ter
contornos de crise, foi a inabilidade política, somada a temperamentos
instáveis, educação doméstica limitada e avaliação equivocada das vantagens que
poderão advir de acirrar os ânimos até chegarmos a uma crise cujas dimensões e
os desdobramentos não se pode prever.
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