A ERA DAS MANIFESTAÇÕES
Rui Martinho Rodrigues*
Eric John Ernest Hobsbawm (1917 – 2012), historiador britânico nascido no Egito, escreveu uma série de livros sobre períodos históricos
aos quais denominou de eras. A Era dos Impérios, A Era dos Extremos, A Era do Capital, A Era das Revoluções são algumas das obras aludidas. Hoje vivemos o
que se poderia chamar de Era das Manifestações. Nos últimos anos, mais de
oitenta países foram sacudidos por protestos. Houve até queda de governos, em
face de tais acontecimento, de que são exemplos o Egito, a Venezuela e a Ucrânia,
entre outros. As manifestações atuais configuram algo semelhante a uma
pandemia.
Surge assim uma primeira indagação: manifestações são, necessariamente, protestos, ou também podem expressar apoios? Uma interpretação literal nos
diz que a semântica do verbo manifestar consiste em tornar público, expressar.
Não se restringe apenas a protesto. Atos de apoio ao ex-presidente Lula
tornaram-se comuns, por algum tempo. Apoios e protestos podem ser os lados
distintos de uma mesma moeda. Nos embates da política, apoiar um lado pode
significar protesto contra os seus opositores. Atos contrários a um lado podem
representar apoio aos seus adversários.
O sentido de luta, que pode ser quixotesco, tende a se fazer
presente nos eventos destinados a tornar público o apoio ou a repulsa a alguém ou a uma causa. Produzir impacto surge então como um propósito. Incomodar ou até
causar prejuízo é um pensamento que ronda a ideia de manifestações.
Caso o
incômodo causado pelos atos públicos alcancem terceiros alheios aos objetivos da
iniciativa, tais atos ainda seriam legítimos? Interromper vias públicas,
prejudicando transeuntes; paralisar serviços, cuja falta lesiona terceiros; depredar
bens públicos ou particulares
tornou-se frequente nas manifestações que deveriam ser pacíficas. No Brasil,
nos atos públicos em favor do impeachment
da presidente Dilma, não se arrancou sequer uma flor de um jardim. O impacto de
tais manifestações não foi menor por isso.
A era das manifestações, atualmente, difere em alguns aspectos, da
tradição destes atos. Não são necessariamente dirigidas por partidos, nem
financiadas com dinheiro público, nem realizadas em dias úteis, nem são
realizadas apenas por jovens imaturos.
A espontaneidade assim caracterizada reforça a representatividade
social e a legitimidade dos atos públicos de natureza política. Não é fácil
retirar pessoas das suas ocupações ou do seu repouso dominical para integrar manifestações.
Quando isso ocorre espontaneamente a credibilidade das lideranças e até das
instituições está abalada.
Resta saber se é legítimo que autoridades da República convoquem ou
sejam coniventes com manifestações contra os poderes constitucionalmente
instituídos. Caso manifestações assim caraterizadas possam abalar as ditas
instituições, o procedimento aludido poderia contribuir para uma crise institucional.
Manifestações pacíficas, todavia, quando circunscritas a simples
expressão de posições políticas, seria compatíveis com a ordem democrática. A
solidez ou fragilidade das instituições podem definir os desdobramentos dos
protestos. Fica a indagação: as nossas instituições são sólidas? Parece que
sim. Até por falta de condições para soluções heterodoxas.
O que restou da credibilidade de partidos, imprensa, entidades
civis, lideranças institucionais como governadores (no atual ambiente internacional) não fornece a perspectiva de saídas bonapartistas. A fragilidade de tudo isso,
somada ao clima de intrigas de aldeia em que a internet transformou o mundo,
porém, criaram incertezas quanto a tudo.
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