O OUTRO NORDESTE
O APRESENTADOR
(Rui Martinho Rodrigues)
(Rui Martinho Rodrigues)
Rui Martinho Rodrigues |
A edição que agora está sendo lançada foi enriquecida pelas
valiosas contribuições de Antônio Paim,
Paulo Elpídio de Menezes, Filomeno Moraes e José Estevão Machado Arcanjo, merecedoras da atenção do
leitor, por serem novidades desta edição. Registre-se, ainda, que esta edição
contém escritos do próprio Djacir Menezes
que não fazem parte do “O outro Nordeste”, relacionados com o debate suscitado
pela obra.
A ÉPOCA E O AUTOR
Quem escreve o faz em um lugar e uma época, com muitas marcas daí
resultantes. A pessoa do autor, porém, não se limita a expressar a influência do
contexto histórico. Exagerar a importância da influência do meio seria incorrer
naquilo que Karl Raymond Popper
(1902 – 1994) classificou como mito do contexto. A perspectiva pessoal é
proporcional ao vulto do pensador, com as suas contribuições, sem que isso
signifique subjetividade sôfrega. Tomo a liberdade de situar “O outro Nordeste”
na época e no lugar em que foi pensado, acrescentando algumas considerações
sobre a pessoa do autor, também situado no tempo e no espaço, antes de abordar
a obra clássica.
Um arquiteto, ao projetar um prédio, não precisa fazer nenhum
material a ser usado na construção. A elaboração e execução do projeto se vale
dos elementos produzidos por terceiros. As considerações que se seguem resultam
de um modo de reunir contribuições como um arquiteto reúne materiais de
construção em seu projeto. Não apresento aqui nenhuma informação inédita. Tento
apenas ressaltar e associar achegas de autores cujos créditos tenho o cuidado
de registrar.
Djacir Menezes nasceu em 1907, ano que para Eric Hobsbawm (1917 – 2012) pertence ao
século XIX, pois segundo o historiador britânico a vigésima centúria só teria
começado em 1914, com a IGM, mas no Brasil talvez o séc. XIX só tenha acabado
em 1930. Abolição e República eram novidades de menos de duas décadas quando
Djacir nasceu.
Logo, porém, entraria no século XX. O XIX pertenceu,
inquestionavelmente, no mundo das letras, a Charles Darwin (1809 – 1882). Djacir Menezes
entraria em contato, precocemente, com o naturalismo materialista tão
fortemente marcado no “espírito da época”, como é referido por Antônio Paim,
nos comentários desta edição.
Nota encaixada no final da presente publicação, encontramos o
registro de um incidente em que o jovem Djacir, desafiando o professor de
Filosofia do curso colegial, citou um autor naturalista, que via na
generalização do darwinismo uma chave para encontrarmos respostas de largo
alcance para as inquietações filosóficas. A resposta do professor aludiu a Immanuel
Kant (1724 – 1804), apontando para
um caminho alternativo ao itinerário árido do materialismo. Foi o bastante para
acicatar a vontade de saber de Djacir Menezes,
que passaria a estudar com denodo o autor referido pelo professor.
Mais tarde Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda (1892 – 1979) cruzaria o caminho de Djacir Menezes. Preocupado com a
cientificidade do Direito, o autor de “O Outro Nordeste” publicaria, em 1932, “O
problema da realidade objetiva”, adotando algumas teses neokantianas,
distinguindo-se do mestre e amigo. Filosofia, como Direito, História,
Sociologia e Geografia são algumas das disciplinas integradas por Djacir Menezes em suas reflexões, agindo
claramente como polígrafo.
A Escola Culturalista Brasileira foi uma poderosa referência
teórica e metodológica do autor da obra aqui apresentada. Nenhuma influência,
porém, o aprisionou intelectualmente. Contrariando a tese da incomunicabilidade
dos paradigmas, de Thomas Kuhn (1922
– 1996), Menezes sempre abriu os
alforjes em que se constituem os paradigmas teóricos e metodológicos, refazendo
suas lógicas e construindo sínteses distintas do ecletismo frouxo.
Djacir foi contemporâneo da Revolução Bolchevique, da Semana de
Arte Moderna de 1922, da crise de 1929, do tenentismo, da Aliança Integralista
Brasileira, da chamada Revolução de 1930, da Escola Culturalista Brasileira, da
intensa efervescência intelectual vivida após cada uma das guerras mundiais, da
queda da URSS e de todas as profundas transformações históricas do século XX,
centúria dominada, no mundo letrado, pelo debate em torno das figuras de Karl
Heinrich Marx (1818 – 1883) e
Sigmund Schlomo Freud (1856 – 1939).
Djacir enfrentou a delicada discussão sobre Marx. Não se deixou dominar pelas
viseiras do culto à personalidade, nem pela demonização do autor polêmico, como
havia enfrentado o estudo e os debates travados em torno das obras Immanuel Kant (1724 – 1804) e Georg Wilhelm
Friedrich Hegel (1770 – 1831).
É preciso, em alguns momentos, dizer o óbvio: Menezes foi contemporâneo do tempo em que viveu. O que não é cediço
e precisa ser dito é que ele não foi apenas isso: colocou-se também, sob certos
aspectos, fora dos condicionamentos do seu tempo. Foi assim, nas circunstâncias
históricas aludidas, que escreveu “O outro Nordeste”, agora publicado com
valiosos acréscimos em forma de comentários produzidos por qualificados
estudiosos da temática e da obra citada, além de outros escritos do próprio
Menezes agora colacionados ao livro clássico.
O OUTRO NORDESTE
“O outro Nordeste”, cujo subtítulo é “Formação social do Nordeste”,
foi publicado pela primeira vez em 1937, pela Livraria José Olympio Editora, na
Coleção Documentos Brasileiros. Gilberto de Mello Freyre (1900 – 1987) recomendou, em carta dirigida a José Olympio, a
obra que se tornaria um clássico, apadrinhando-a, conforme assinala Filomeno Moraes nos comentários colacionados a
esta edição. O mestre de Apipucos reconheceu a importância da obra que tem por
objeto o Nordeste pastoril e seco, diferente daquele Nordeste úmido e agrário
por ele estudado. Entusiasmado com o texto de Menezes, sugeriu o título “O outro Nordeste”.
Acatada a sugestão de Freyre,
Formação social do Nordeste, que seria o título dado pelo autor, passou a
subtítulo. A obra vinha preencher uma lacuna. O Nordeste da obra de Menezes, adjetivado pelo autor de Casa
Grande & Senzala; Senzala como pastoril, fora objeto de estudos de Euclides
Rodrigues Pimenta da Cunha (1866 –
1909), em seu opus magnum “Os sertões”,
até então praticamente a única grande obra sobre a região, na qual partes foram
dedicadas especificamente a terra e ao homem, antes de abordar a luta. Mas o
clássico, elaborado em razão da guerra de Canudos, envelhecera marcado pelo
racismo do seu tempo, na parte nomeada como “O homem”.
O objeto e a metodologia são matéria e forma de um livro. Tendo o
Nordeste pastoril como objeto, como anuncia o título sugerido por Gilberto Freyre, a obra de Menezes tem como
objetivo o que o subtítulo da primeira edição esclarece: a formação social da
região.
As personagens, com os seus atos, somados aos fatos do ambiente,
compõem a trama que o autor procura elaborar. O enredo de O outro Nordeste
integra a Mesologia, distinguindo cuidadosamente as diversas zonas do ecúmeno
nos sucessivos capítulos sem cair no determinismo geográfico. O fator humano,
que está presente na trama aqui apresentada, ganha destaque na relação com o
meio, como fica evidente nos capítulos “Etnogênese das caatingas e formação
histórica do cangaço”; e “O binômio: o violento e o místico”.
A organização familial e política, no capítulo “A oligarquia, o
comércio, o político”; juntamente com a organização administrativa, o movimento
abolicionista e a análise do Ceará dos anos da Primeira República, nos
capítulos subsequentes, foram enriquecidas por um apenso com escritos sobre “O
processo econômico no ecúmeno do semiárido”, “A seca, o cangaceirismo e a
literatura” e “O debate sobre o Abolicionismo Cearense”. A análise
multifatorial de Menezes lembra, de certo modo, a constelação de fatores da
rica metodologia de Karl Emil Maximilian Weber
(1864 – 1920).
Mais não digo porque já me alonguei muito e porque Antônio Paim,
Paulo Elpídio de Menezes, Filomeno Moraes e José Estevam Machado Arcanjo já
apresentaram comentários cuja leitura recomendo.
Meus agradecimentos ao professor Paulo Elpídio pela subida honra de
apresentar esta edição do grande clássico de Djacir Menezes.
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