O QUE AS URNAS DISSERAM?
Rui Martinho Rodrigues*
Tivemos uma eleição na qual a renovação das casas legislativas
superou todas as expectativas; os grandes partidos foram derrotados; o tempo de
televisão dado aos postulantes não produziu resultados; as chamadas máquinas
governamentais falharam, com exceção do Nordeste; o apoio dos artistas e
intelectuais não foi decisivo; a aptidão para a oratória não prevaleceu; os
ataques dirigidos contra a pessoa dos candidatos ou aos seus apoiadores não
influenciaram decisivamente os resultados; nem o financiamento das campanhas
preponderou. O que aconteceu?
O eleitor disse nas urnas que quer políticas de segurança pública
mais efetivas. A criminalidade tornou-se insuportável; que intelectuais,
artistas, bons oradores e líderes perderam credibilidade. A institucionalização
da corrupção, explicitada pelo fim do segredo ocasionado pelas novas
tecnologias, com registros eletrônicos indeléveis das transações financeiras,
gravadores e câmeras por toda parte registrando condutas; celulares
documentando contatos; paraísos fiscais divulgando fortunas de origem
inexplicável; Polícia Federal, Ministério Público e Judiciário independentes
são uma nova realidade.
Santarrões havidos como defensores dos menos favorecidos foram
desmascarados. O controle da informação e da produção de narrativas, obtida por
meio da conquista daquilo que Louis Althusser (1918 – 1990) chamava de
“aparelhos ideológicos” não funcionou. A internet deu voz a quem não tinha tribuna,
quebrando a hegemonia dos aparelhos ideológicos. O monopólio da narrativa
social e política foi abalado juntamente com a perda do controle das manifestações de
rua. O ex-ministro José Dirceu declarou que houve mais do que uma derrota eleitoral,
tendo ocorrido uma derrota ideológica. Reconheceu ainda a base social do
fenômeno.
O debate político adotou uma agenda identitária. A polêmica sobre
os costumes ganhou destaque. O homem simples, não tem opinião firme sobre
questões complexas como reforma tributária, política cambial e matriz enérgica.
Mas tem opinião formada sobre os costumes. Macunaíma sempre foi tolerante. Mas
não gostou da promoção oficial de profundas transformações culturais. Não
gostou de um discurso de paz e amor que agride violentamente quem não
acompanha, acoimando de estúpido, de ignorante, ou fascista quem dele discorda.
Tentava-se impor uma aculturação dos brasileiros ao mesmo tempo pregando a
intocabilidade das culturas minoritárias. O multiculturalismo do tipo
diferencialista não agradou. O multiculturalismo do nosso povo é do tipo
interativista. A perda de prestígio dos intelectuais e artistas resultou disso
e de outros fatores.
A agenda dos políticos precisa ser revista. A empáfia dos
intelectuais e artistas já não é tão poderosa. As urnas disseram: o mundo
mudou; há um limite para manipulação da opinião pública; a agenda identitária e
o multiculturalismo diferencialista não convenceram; as práticas políticas
viciadas já não são toleradas; discursos eloquentes não bastam; alguma coisa
nova precisa ser feita no campo da segurança pública. Ou os políticos mudam ou
o povo muda os políticos, assumindo o risco da mudança.
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