E
AGORA?
Rui
Martinho Rodrigues*
A velocidade das mudanças históricas ultrapassou o ritmo e
a amplitude das transformações anteriores. Os formadores de opinião perderam o
monopólio da crítica e da orientação das consciências. Instituições religiosas
perderam o monopólio do sagrado. A era da informação quase extinguiu o segredo, desvelando negócios e condutas antes desconhecidas do público.
Personagens e instituições havidos como respeitáveis foram
desmistificados e desmascarados. O direito premial estimulou a colaboração de
réus, revelou crimes difíceis de provar, porque praticados com grande
sofisticação por organizações criminosas, quer sejam elas reconhecidas como tal
ou havidas como lícitas.
A participação popular e a crítica foram estimuladas. Agora
estão acontecendo, não de forma domesticada, mas sem o controle de e
intelectuais e ativistas. Os vaqueiros da boiada cidadã perderam o monopólio da
militância, das manifestações de rua e da comunicação direta com as massas.
Caíram do pedestal.
As grandes narrativas políticas desmoronaram depois de
colecionar fracassos em suas experiências históricas. Já não basta negar a
relação com as ditas experiências, dizer que o fracasso foi uma versão
diferente ou culpa dos líderes ou da falta de condições objetivas para a
realização de suas maravilhas. Negar as próprias práticas no mundo real é
insula-se no mundo irreal.
Defendemos o voto do analfabeto. Reconhecemos que escolhas
políticas não são de natureza técnica, mas valorativa. O campo dos valores
nivela todos por baixo. É o que fundamenta o princípio “um homem, um voto”. A
desmistificação da figura do especialista, do intelectual e do líder abalou o
argumento de autoridade.
Agora o homem simples sabe, por exemplo, quem são os
ministros do STF, além de identificar a posição de cada um deles, formulando
suas críticas. As referências indiscutíveis caíram. O protagonismo popular e a
criticidade que o acompanha chegaram e atingiram quem os estimulava. Deveriam
ser controlados por organizações aparelhadas?
A exemplo do fim da idade Média, quando a ortodoxia caiu e
deu lugar a tudo, de Galileu (1564 – 1642) a Nostradamus (1503 – 1566), temos
hoje as manifestações mais díspares. Resta saber agora: as massas não
domesticadas são “monstros”? Suas escolhas são “preocupantes”, segundo afirmou
a Ministra Carmem Lúcia? Queríamos o “protagonismo” e a “consciência crítica”,
desde que fossem dirigidas? Como diria Carlos Drummond de
Andrade (1902 – 1987), "e agora, José?".
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