CINISMO
Humberto
Ellery*
Quando o filósofo grego Antístenes (Atenas, 444-365 aC) desenvolveu sua doutrina filosófica, baseada na busca da felicidade
através de uma vida simples e natural, desprezando riquezas e comodidades,
conquistou com tão insólita pregação Diógenes, o qual, exilado de sua Sinope,
havia se mudado para Atenas.
Esse seu mais famoso discípulo levou tão a
sério essas premissas que passou a se alimentar de esmolas e a viver dentro de
um tonel, cujo “teto” compartilhava com os cachorros vadios. Passou a ser conhecido
como Diógenes, o Cínico (do grego kinikos, adjetivo derivado de kyon,
cão).
O que os filósofos cínicos não podiam prever
era o fenômeno semântico que transmudaria o uso de “cínico” para significar pessoas
descaradas, destituídas de caráter, sem apego aos valores éticos e morais.
Por exemplo, comportamento absurdamente cínico,
na moderna acepção da palavra, estamos observando agora com a proposta de
retirar R$ 3,6 bilhões do Orçamento Público para financiar as eleições de 2018.
Mas, o cinismo maior não é dos parlamentares
que estão trabalhando por isso, mas daqueles que nos levaram a essa situação, e
partem agora para os mais duros ataques ao financiamento público de campanhas.
Em 2015, a Ordem dos Advogados do Brasil
propôs uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra o financiamento
empresarial das campanhas eleitorais, sem conseguir mostrar uma linha sequer da
Constituição Federal que vedasse tal atividade.
A vitória da referida ADI proposta se deu por
oito a três. Dos atuais Ministros do STF, apenas Gilmar Mendes e Celso de
Mello votaram contra (Teori Zavaski, que foi o terceiro voto contra, faleceu, e
seu substituto, Alexandre Morais, ainda não compunha os quadros do Tribunal).
Ora, qualquer pessoa com meia dúzia de
neurônios ativos perceberia que fatalmente chegaríamos ao financiamento
público. As alternativas são o financiamento com dinheiro do crime, do caixa 2,
ou restringir a política apenas aos muito ricos, aumentando a elitização de uma
atividade já insuportavelmente afastada do povo.
O autor da proposta de ADI, patrocinada pela
OAB, foi ninguém menos que Luis Roberto Barroso, à época advogado. Aquele
mesmo que autorizou abortos até o terceiro mês de gravidez, que atropelou o
Regimento Interno da Câmara dos Deputados, numa mentira descarada à frente de
todo o País, para tentar salvar o mandato da Dilma.
O Relator foi o Luis Fux, aquele mesmo que,
monocratica e soberanamente, autorizou o pagamento de quase R$ 5 mil mensais de
auxílio moradia a todos os juízes do Brasil (R$ 1,04 bilhões por ano), país
onde ainda se morre de fome.
Pois o Ministro Barroso, com aquele seu ar
blasé, afetado, fingindo indignação, como se culpa não lhe coubesse,
vem dizer que o financiamento público é um desaforo.
Convenhamos – que Diógenes (e os cães) nos
perdoem pelo mau uso da palavra – é muito cinismo!
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