ANOMIA ESCANCARADA
Rui Martinho Rodrigues*
Piquetes de mulheres paralisam impunemente a
PM do Espírito Santo e ameaçam fazer o mesmo em outros estados. São as mulheres
que estão paralisando a tropa? Mentira. A polícia das polícias está sendo o Exército,
que se limita a policiar as ruas. Não age para restabelecer a disciplina, que é
a base da organização militar. Greve em quartel é rebelião ou motim. Amotinados
deveriam ser presos e processados. Uma polícia de dez mil efetivos seria
paralisada por meia dúzia de mulheres? Não.
A profundidade da crise se revela pelo grau de
violência nas cidades capixabas. Tanto saque, tiroteio e homicídio seriam espontâneos?
A hipótese de cumplicidade entre bandidos e policiais, para valorizar o papel
da polícia e fortalecer a barganha dos amotinados, ganha verossimilhança. A
crise é muito mais do que um simples motim, denunciando relações promíscuas
entre policiais e bandidos, num mutualismo criminoso intolerável.
As polícias militares eram ligadas a uma
diretoria do Exército. Isso deixou de existir? Ou o Exército está se omitindo
do dever de controlar amotinados? O mau exemplo poderá contaminar as FFAA.
Nelas também os salários estão defasados, e não faltam desculpas para o
“grevismo”.
As autoridades, em todos os escaninhos do
Estado, estão constrangidas, sem condições de cumprir o dever, seja porque não
seria “politicamente correto”, ou porque cumprir o dever daria lugar a exploração
política, ou porque a sociedade está desorientada pelos intelectuais ungidos,
que apontam solução indolor para tudo, sem se importar com (in)viabilidade das
ditas soluções.
Vivemos sob o império da hipocrisia, agravada pelo déficit de
legitimidade decorrente da falta de representatividade política em todos os
entes federativos, ao lado da desmoralização decorrente do desmascaramento da
corrupção generalizada e sistêmica. Tudo isso destruiu a autoridade legítima.
Os políticos não irão como ovelhas mudas para
o abatedouro da Lava Jato. As articulações, nas mais altas esferas de República,
já dão indícios de que alguma coisa está sendo feita para salvar a tradição de
impunidade. Medidas legislativas e no âmbito administrativo, na forma de leis
ou de simples transferência, por via de promoção, de delegados da PF já estão
em curso. Políticos que até ontem brigavam, se apresentando como vítimas e
acusando uns aos outros de corruptos ou golpistas, se abraçam e articulam a
salvação da própria pele.
A democracia não tem defesa contra uma maioria
corrupta que contamine os três poderes da República. Não será a judicialização
da política, nem a ação isolada dos valorosos procuradores, delegados e juízes
de primeiro grau, que irá nos salvar. A judicialização da política e o ativismo
judicial partidarizaram o STF. O tenentismo de toga, tão imbuído de bons
propósitos quanto o tenentismo de farda, fracassará como o seu precedente.
Estamos sacrificando preciosas garantias do
devido processo legal a troco de nada, se as mais altas esferas dos três
poderes acintosamente promoverem a impunidade. Quem poderá nos salvar? Não será
o Chapolin Colorado nem outro salvador da pátria. É preciso que a sociedade
reaja.
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