Um tico de céu
Paulo Ximenes*
Pagando
um alto preço para viver num bom lugar – pelo menos com alguma pitada de
requinte – eu moro em um apartamento pelos confins da Aldeota, cercado de
prédios por todos os lados. Sem muito esforço, dava até para avistar uma
pontinha de mar; mas um edifício impetuoso logo se ergueu bem à minha frente,
privando-me daquele privilégio. Perdi até o costume de ver a lua.
Há
alguns anos, num dia chuvoso e frio, portanto, num dia bonito, quando aquele
trecho de rua ainda não fora engolido pela Aldeota, eu apreciava contemplar as
nuvens escuras, o estalar da chuva no chão, o cheiro do mato molhado nos
terrenos baldios.
Os
passarinhos emudeciam e o alvoroço dos carros se resumia a quase nada; só os
moleques de rua se arvoravam de movimentos e se somavam ao chiar da chuva. E,
nos dias de sol, eu acompanhava sereno a trajetória dos aviões que se
aproximavam ou que se iam “lentamente” rumo ao horizonte.
O que
eu queria mesmo, de verdade, era ver a lua reinando em noites calmas e as
nuvens cor de chumbo deitando água na minha cidade. Malditas ervas daninhas
verticais! Estou ilhado por fachadas, varandas e janelas. Tudo o que consigo
ver agora é um tico de céu entre um edifício e outro.
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