sábado, 11 de fevereiro de 2017

CRÔNICA - Um Tico de Céu (PX)


Um tico de céu
Paulo Ximenes*


Pagando um alto preço para viver num bom lugar – pelo menos com alguma pitada de requinte – eu moro em um apartamento pelos confins da Aldeota, cercado de prédios por todos os lados. Sem muito esforço, dava até para avistar uma pontinha de mar; mas um edifício impetuoso logo se ergueu bem à minha frente, privando-me daquele privilégio. Perdi até o costume de ver a lua.


Há alguns anos, num dia chuvoso e frio, portanto, num dia bonito, quando aquele trecho de rua ainda não fora engolido pela Aldeota, eu apreciava contemplar as nuvens escuras, o estalar da chuva no chão, o cheiro do mato molhado nos terrenos baldios.

Os passarinhos emudeciam e o alvoroço dos carros se resumia a quase nada; só os moleques de rua se arvoravam de movimentos e se somavam ao chiar da chuva. E, nos dias de sol, eu acompanhava sereno a trajetória dos aviões que se aproximavam ou que se iam “lentamente” rumo ao horizonte.



O que eu queria mesmo, de verdade, era ver a lua reinando em noites calmas e as nuvens cor de chumbo deitando água na minha cidade. Malditas ervas daninhas verticais! Estou ilhado por fachadas, varandas e janelas. Tudo o que consigo ver agora é um tico de céu entre um edifício e outro.

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