O
PALHAÇO
Reginaldo
Vasconcelos*
Estava de passagem na cidade sertaneja em que
a família tem origem, sentado à mesa de uma sorveteria na esquina da rua
principal, tomando um refrigério contra a canícula da tarde que findara, quando passou
pelo outro lado da calçada, descendo placidamente a rua na hora angelus,
um homem usando calças frouxas até o meio das canelas, de cetim quadriculado
como um tabuleiro de xadrez, vermelho e amarelo, suspensórios cruzados nas
costas sobre a camiseta, sapatos longos e meiões verdes.
Aquele ponto da rua não é bem iluminado, por
conta das lâmpadas amarelas, da cordilheira de sobrados que produzem sombras e
da arborização frondosa. Então, como quem quer decifrar a inusitada figura que
divisa, apurei a vista na direção daquele transeunte bizarro que flanava
mansamente, sem chamar atenção de ninguém, e sem parecer querer fazê-lo.
Ele, que marchava de cabeça baixa, notou a
minha mirada, então me olhou com simpatia, mas com seriedade, quando então percebi
o nariz vermelho e a pintura característica no seu rosto. “É o palhaço...”, ele
disse docemente, como a me tranquilizar, fazendo, com o polegar, sinal de
positivo. Ainda meio impactado, assenti levemente com a cabeça, sem lhe
responder o gesto amável.
O rapaz baixou a cabeça e continuou o seu
caminho, contrastando a alegria circense da sua indumentária com a tristeza do
seu passo, enquanto enternecido eu o fitava pelas costas, a diminuir
paulatinamente na perspectiva daquela rua antiga, exatamente onde eu mesmo
aprendi a andar, há mais de meio século.
Eu sei que as cidades pequenas têm lá suas
figuras emblemáticas – o prefeito, o juiz, o padre, o delegado, a prostituta rainha,
o doido de rua – mas o palhaço municipal era novidade absoluta para mim.
Primeiro senti um imenso arrependimento de não
ter correspondido efusivamente ao seu gesto amistoso – o homem grave, grisalhaz
e barbicundo, que ele percebeu ser forasteiro, e certamente imaginou miudamente
fosse a encarnação ou o fantasma de um dos muitos velhos do passado da cidade –
e então apresentou as suas credenciais de ninguendade.
Depois fiquei filosofando sobre a imunidade
absoluta a que os palhaços têm jus, em qualquer lugar do mundo,
enchendo a vida de ledice e de brandura, somente superados pelo prestígio dos
bombeiros sapadores, a categoria que mais se aproxima da classe sublime dos anjos,
a salvar os inditosos e a resgatar os nossos cadáveres nos infaustos do
destino. Refleti que se todas as cidades têm seus corpos de bombeiros deveria cada uma ter o seu palhaço oficial, que andasse pelas ruas proclamando aos visitantes que o município é feliz e o povo de muito boa paz.
Nenhum comentário:
Postar um comentário