quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

CRÔNICA - Pega-Varetas (RV)


PEGA-VARETAS
Reginaldo Vasconcelos*


Acreditei em Fernando Henrique Cardoso até que ele deu um jeito de duplicar o próprio patrimônio mandatício, patrocinando a Emenda Constitucional que permitiu a sua própria reeleição. Independentemente de ser contra ou a favor da possibilidade de recandidatura de executivo, é obvio que ela não deveria valer para quem a instituiu.

Quando Lula da Silva foi eleito a vez primeira todos exultamos, acreditando que enfim se combateria a corrupção, o nepotismo, o marajalato no serviço público, que Collor de Mello, sob profunda "reserva mental", prometera falsamente que faria. Pessoalmente, acreditei que Lula tentaria moralizar a República  mas não me convencera de que conseguiria.

Em face dessa minha suspicácia sobre a capacidade de Lula de fazer a faxina político-administrativa necessária e prometida pelo partido que fundara, conversei com o meu amigo Artur da Távora, velho jornalista e então Senador da República, sobre as minhas crenças e sobre as meus receios em relação ao futuro do País dali avante.

Lembro que lhe manifestei a minha preocupação com Marisa Letícia, que sabia eu ser uma pessoa de origem muito humilde, e que por isso mesmo iria sofrer muito o fracasso do marido, pois é muito melhor permanecer no solo que ser guindado ao topo da palmeira social, para ser arrancado de lá, voltando violentamente ao rés do chão.

Mas, como visto, Lula nem tentou moralizar coisa nenhuma, centrando-se em implementar boas políticas sociais de melhoramento econômico das faixas mais humildes, com uma melhor distribuição de renda, mas sem conseguir promover a sua real evolução intelectual. A escola pública foi universalizada, mas não melhorou em qualidade de ensino.

Essas duas circunstâncias – a promoção de um melhor padrão de vida para a pobreza, deixando de investir pesado em educação de qualidade (ao contrário do que fizeram os países asiáticos para se desenvolverem), foi se revelando a fórmula mágica para manter os partidos do Governo no poder.

Conquistando a maioria carente do povo por meio de políticas paternalistas, sem procurar dotá-lo de descortino para exercer o genuíno espírito crítico, se perpetuariam no poder por meio do escrutínio universal  assim imaginavam. E tal estratégia funcionou por 15 anos – mas por fim implodiu, matando finalmente de aneurisma a inditosa “Galega” de Lula, cujo calvário eu previra anos atrás.

O resultado de tudo isso é a profunda crise econômica que vivemos, a falência de muitos estados federados, o desmantelo ético deflagrado, o império absoluto da sociopatia na vida brasileira. As vísceras da Nação expostas ao mundo, trazendo descrédito e desprezo, vergonha para todos nós ante o estrangeiro.

A desmoralização das grandes empresas estatais, como a Petrobrás, o BNDES, o BNB, o Banco do Brasil – por fim,  o estabelecimento definitivo do estado paralelo no País, por meio do empoderamento do crime organizado estabelecido nos presídios, enquanto as polícias militares se aquartelam e se amotinam.

No Palácio do Governo o Presidente, ele mesmo suspeito de ilícitos, não consegue nomear ministros probos, no sensível pega-varetas de delações à Operação Lava Jato da Justiça Federal, que traz a lume, não uma série de delitos isolados, mas a corrupção sistêmica e generalizada que alimentava o processo eleitoral e enriquecia os políticos brasileiros, que se mancomunavam com as grandes empreiteiras.

Diz-se que houve um “golpe parlamentar” contra a Presidente da República que foi alvo de um impeachment, sem considerar que ela vinha de uma dinastia política hegemônica de uma década e meia, formada por uma grande coalizão de apoiadores desonestos – que enfim a abandonaram ou se voltaram contra ela – e o fizeram quando ela precisou praticar um evidente “estelionato eleitoral”, vencendo a reeleição com base numa plataforma falsa e insustentável.

Fala-se que o PSDB, grande antagonista do então partido do Governo, e que perdera a eleição presidencial, seria o artífice da derrocada posterior da candidata vencedora. Contudo, como no jogo de futebol há o time que perde porque o outro vence (por jogar bem), e o time que ganha porque o outro perdeu (por jogar mal), o PT não soçobrou por ação do adversário, mas pelos erros dele mesmo, que o levaram a perder sua base política no Congresso.

Alguém saberia dizer por que Michel Temer era o Vice-Presidente por duas legislaturas do PT? Creio que a razão é ambidestra. Dilma o queria lá para garantir o apoio do maior partido do Congresso, a que ele pertence, tendo em vista aprovação de todas as matérias de interesse do Governo; e, na outra mão, ele queria estar lá para garantir que os seus correligionários obtivessem benesses, assaltando as verbas públicas – dentre eles Eduardo Cunha, hoje demonizado e encarcerado.

Agora o País vai à deriva, de déu em déu, com a cúpula da política toda ela fustigada pela cavalaria implacável dos pretores federais. Mas, a esta altura, trabalhar contra as instituições, tão enfraquecidas, e contra os poderes constituídos, que estão em frangalhos, é trabalhar contra o País. Naufragamos, e não podemos abandonar a precária tábua de flutuação, se não temos nenhuma outra à vista. Temos que seguir em frente.  O “Fora Temer” é a volta ao nada. Não há mais para onde voltar. Que Deus se apiade de nossas almas! 


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