A FILOSOFIA E A EVOLUÇÃO DA GEOGRAFIA, CONSOANTE O ENGENHEIRO-GEÓGRAFO PROF. CAIO LÓSSIO
BOTELHO
Por Vianney Mesquita*
Não
chegaremos a ser filósofos, embora tenhamos lido todos os raciocínios de Platão
e de Aristóteles, se não pudermos emitir um juízo firme sobre as questões propostas,
porque, neste caso, há de parecer, não aprendemos ciência, mas simples história
(EPITECTO – Sec. I, filósofo estoico, nascido na Frígia - Ásia Menor).
1. Razões Preliminares
CAIO |
Nosso amigo
e ex-professor, engenheiro-geógrafo Caio Lóssio Botelho, docente da
Universidade Estadual do Ceará e ensaísta de nomeada no terreno das Ciências
Corológicas, ora vive com a doença de Alzheimer, sendo tratado com o máximo
desvelo por sua mulher e colega de ofício, Professora Maria José Rondon Régis
Botelho.
Interdito
de escrever, em razão de enfermidade tão iníqua, esse docente interrompe a
dignificante carreira de analista, ao correr de mais de quarenta anos,
registando no seu imobilizado autoral 23 livros na grade do conjunto de conhecimentos
pinçado para estudar, fato a se lamentar, pois se pressupunha tivesse um
percurso produtivo bem maior. Havemos de nos contentar, porém, com os propósitos
advindos do Alto.
Em duas ou
três oportunidades, ele nos concedeu o deleite de comentar produtos seus, o
primeiro dos quais assentou em "A Filosofia e o Processo Evolutivo da
Geografia", a público em 1987. Acerca desse ensaio, publicamos, em
1989, o texto "A Filosofia Conexa à Geografia", feito capítulo do
livro de nossa assinatura, intitulado "Impressões - Estudos de
Literatura e Comunicação". (Fortaleza, Edições Agora, 1989, p.23).
Em
homenagem a esse especialista no trato do saber geográfico, reproduzimos, no
ensejo, com as modificações naturalmente demandadas pelo tempo, consumidor
desapiedado, o escrito-base mencionado, com a intenção, também, de atender à
diacronia da língua, isto é, sua descrição ou de parte desta, ao longo de sua
história, com as mudanças por ela admitidas.
2. A
Geografia e os Sistemas Científicos e Filosóficos
Margina ao
conhecimento da massa, pelo menos no nosso meio, a existência de esforço
ensaístico com o objetivo de vincular, de maneira didática, a Geografia aos
sistemas científicos e pressupostos filosóficos, mostrando-se a relação de
causa e efeito dessa prestigiosa ramificação do saber ordenado.
BACON |
"Vere
scire per causa scire" - exprimiu com razão de sobra Francis Bacon (Londres,
22.01.1561; Highgate, 09.04.1626). O conhecimento somente é verdadeiro, de
certeza relativa, quando sucede pelas causas.
Daí a preocupação do Professor Botelho (Juazeiro do Norte-CE,
19.04.1933), na sua efervescência produtiva constante, com estabelecer esse
necessário liame dialético da Geografia com as sistematizações da Ciência e os
ditames da Epistemologia, ao demonstrar este saber qual aquele oriundo do
conhecimento, denominado pelo “pai” do darwinismo social, Herbert Spencer
(1820-1903, Derby-UK; Brighton-UK), “conhecimento
parcialmente unificado”, operando mediante relações.
Ipso facto, não há dúvidas a respeito do argumento de a Geografia, restando
explicada por via das relações de causalidade, se enfileirar na aleia das
matérias científicamente disciplinadas.
Com a edição de “A Filosofia
e o Processo Evolutivo da Geografia”, em Português preciso, com o jargão
ligeiramente amatado para facilitar o entendimento e alcançar o maior número de
leitores, nosso Autor está no extremo moderno da preocupação especulativa de
inserir esta matéria no terreno dos sistemas científicos. Na outra borda, por
primeiro, tomou essa providência Bernardo Varenius (Hannover-Alemanha, 1622;
Leide, Holanda, 1650), na sua “Geografia
Geral ”(1650), secundado, anos à frente, por Imamnuel Kant (Konigsberg,
22.04.1724-12.02;1804).
KANT |
Sem pretender, por inoportuno e descabido, trazer adições à
completa proposição do livro de Caio Lóssio Botelho, a si bastado no âmbito do
seu objetivo, não custa repetir o fato de, num grande lapso - centenas de anos
- se poder assinalar a ideia de a Geografia, a despeito dos estudos de Varenius
e Kant, não denotar, então, noções claras sobre os fatos a serem expressos para
caracterizar países e regiões. Tal era o objetivo fundamental do estudo
geográfico da época, ao lado dos cuidados com a forma e a dimensão da Terra.
3. Esboço Histórico
HUMBOLDT |
Neste salteado escorço histórico, afoutamente empreendido com
suporte no volume sob comento, encontramos, coetaneamente e em Berlim,
Alexander von Humboldt (Berlim, 14.09.1769-06.05.1859) e Carl Ritter
(Quedlinburg-Alemanha, 07.08.1779; Berlim, 28.09.1859) – ambos fartamente
mencionados na obra ora sob relação, com origem no terceiro quartel dos
Oitocentos. Esses sistematizadores alemães imprimiram maior consistência às
teorias antes avençadas pelo gênio da Varenius (viveu apenas 28 anos) e a
percuciência de Kant.
Na relembrança das magistrais preleções do Professor Paulo Othon
Sidou, nos tempos de maré alta do ensino secundário, idos de 1961, na então
Escola Técnica Federal do Ceará, temos ainda bem nítidas suas palavras
professorais a respeito das expedições humboldtianas e sua farta produção
investigativa na seara geográfica. Foi Alexander von Humboldt a introduzir no
léxico particular da Geografia e acrescer à descrição, antes enciclopédica,
qualitativa e assistemática da Geografia popular, a exposição adredemente
relacionada com os fenômenos observados na qualidade de ouvidor habitual da
Natureza.
Do próprio Caio Lóssio Botelho, de quem tivemos a ventura de ser
escolar, mesmo por breve período e na mesma excepcional Escola Técnica Federal
do Ceará, ouvimos referências por demais lúcidas e precisas a respeito de
Humboldt e, notadamente, acerca de Carl Ritter, célebre “Pai da Conexidade e
Analogia”, de linha determinista, escola também do multirreferenciado Humboldt,
bem assim de Frederick Ratzel (Karlsruhe – Alemanha, 30.08.1844; Lago
Starnberg, Alemanha, 09.08.1904), o segundo imprimindo ênfase à relação
homem-meio na valorização da Antropogeografia, sob a influência dos evolucionistas.
VIDAL DE LA BLACH |
No âmbito da evolução da Geografia de mãos dadas com a Teoria da
Ciência, o livro privilegia explicações acerca da não menos famosa Escola
Possibilista ou Pruricausalista, encabeçada por Paul Marie Vidal de la Blache
(Pézenas, Heraude-FR, 22.01.1845; Tanaris-sur-mer provence-Alpes-Côte
d’Azur-FR, 05.04.1918), à qual se filiaram, com ligeiras disparidades de pensamento,
Jean Brunhes (Tolouse-FR, 25.10.1869; Bologne-Billancourt-FR 25.08.1930) e
Emmanuel de Martonne (Chabris-Indre-FR, 01.04.1873; Sceaux, 24.07.1955).
Entrementes, ainda em França, rivalizavam em escolas Raoul
Blanchard (Orleans-FR, 04.09.1877; Paris, 24.03.1965) e Camille Vallaux;
Blanchard no terreno da Geomorfologia e Vallaux (Vendôme Kerhuan-FR;
Finisterre-ESP.--.—1945), no campo da metodologia.
Armazenamos, ainda bastante viva, a divisa “A natureza dá as
cartas e o homem faz o jogo”, moto central da Escola Pluricausalista, de Paulo
Marie Vidal de la Blache.
4. Sistemática Funcionalista
Bem mais moderna é a tendência Sistemática Funcionalista,
vigorante nos Estados Unidos, representada, entre outros, pelo geógrafo inglês
de nascimento Bryan Joe Lobley Berry (Sedgley-Staffordshire-UK, 16.02.1934), a
primeira escola a empregar indicadores da então novel ciência da Informática.
A este Círculo geográfico, propiciador da ascensão de várias
dissidências, máxime nos
Estados Unidos, contrapôs-se a Escola Radical
Marxista, ao divisar a Geografia como subordinada ao poder político,
expressando íntima relação entre esta e a ideologia marxista, em Antônio
Gramsci (Ales-IT, 22.01.1891; Roma, 27.04.1937), Karl Heinrich Marx (Treveri-AL,
05.05.1813; Londres, 14.03.1883) e Friedrich Engels (Wuppertal-AL., 25.11.1820;
Londres, 05.08.1895).
MARX E ENGELS |
O livro do Professor Caio Lóssio Botelho comenta, ainda, a
filosofia de vários outros pendores das Ciências Corológicas no Mundo,
demonstrando em todo o seu curso as relações da Geografia com a Filosofia e a
Teoria Científica, apondo a disciplina de Elisée Jean-Jacques Reclus na devida
conta dos mais desavisados como procedimento sério, verdadeiro, inatacável sob
o prisma do seu método.
5. A Modo de Remate
Alegrou-nos, sobremodo, esse renovado contato com os estudos da
Policiência da Terra, procedidos com sofreguidão na nossa juvenilidade e
largados, compulsoriamente, ex-vi de
uma trilha diversa, contingentemente escolhida – o Jornalismo e o magistério
acadêmico.
DELGADO DE CARVALHO |
A releitura, sob óptica moderna, deste livro do Dr. Caio, no
ideário da Ciência de Carlos Miguel Delgado de Carvalho (Paris, 04.11.1884; Rio
de Janeiro, --.—1980), aliada a nossa melhor prontidão intelectual de hoje,
fazem-nos renascer o espírito de curiosidade e respeito pela mais relevante
Ciência Corológica, ao termos de relacioná-la, para conhecê-la, mesmo em
superfície, a quase todos os esgalhos do conhecimento, este, aliás, differentia specifica da relação homem-espécie inferior.
Experimentarão os jovens destes tempos a oportunidade, não
ensaiada por nós, de fazer convívio com o sistema ordenado da Geografia, antes
estudada nos estabelecimentos de ensino brasileiros na base do bom senso e da
opinião comum, alheia a uma vinculação epistemológica a lhe imprimir caráter de
feito da Ciência, e, por isso mesmo, de verdade e certeza.
A dimensão intelectual do autor dessa obra, dirigida aos
iniciados nos misteres da especialidade tratada, dignifica a inteligência
brasileira e enche de honra a Terra Cearense, e ainda é acompanhada de um
propedêudico e conforme comentário do cientista polivalente coestaduano Francisco
Alves de Andrade (Mombaça-CE, 21.11.1913; Fortaleza, 06.10.2001), ataviando
superfluamente o valor do livro.
ARAGO |
É a súmula de muitos pensamentos, o sumo do entendimento de
várias correntes enfeixado num escrito didaticamente perfeito, produto de longa
prática magisterial do seu escritor.
Para o homem obstinado, cientificamente teimoso, feito o
Professor Caio Lóssio Botelho, poucas coisas se lhe afiguram impossíveis, como
esta façanha ora empreendida.
Tenhamos todos em linha de conta as sapientes palavras de
Françoise Jean Dominique Arago, físico, astrônomo e político francês (Estagel,
26.12.1786; Paris, 02.10.1853):
“Quem, fora das
Matemáticas puras, pronuncia a palavra impossível é falho de prudência”.
*Vianney Mesquita
(Docente da UFC, jornalista e escritor.
Titular da Academia Cearense da Língua Portuguesa e da
Academia Cearense de Literatura e Jornalismo).
Academia Cearense de Literatura e Jornalismo).
Nenhum comentário:
Postar um comentário