quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

CRÔNICA

Doces Bárbaros
Por Altino Farias*


Europa, século IV.

Bárbaros, era como os romanos denominavam os povos que viviam fora de suas fronteiras e não adotavam o latim como língua. Esses povos, de poucos conhecimentos em relação outras civilizações contemporâneas, viviam da agricultura e pecuária de subsistência. Alguns, nômades, mudavam de lugar em busca de solos férteis. Invasões de outras terras, seguidas de saques, eram fonte de riqueza.

Os bárbaros não tinham organização social e política formal. Viviam em tribos e clãs. Não dominavam a escrita e tinham em seus deuses e crenças as normas de convivência em grupo.
A histórica crueldade deles que chegou aos nossos tempos vem do que foi exposto: vida nômade, agricultura e pecuária de subsistência, falta de organização política e social, necessidade de invadir terras e saquear aldeias para auferir riqueza.

Os hunos eram particularmente cruéis. Um de seus reis, Átila, era chamado pelos cristãos de “Flagelo de Deus”. Por onde passavam, deixavam um rastro de sangue e destruição. Essa era a vida deles. Não conheciam outra forma.

Esses bárbaros vieram da Ásia ocidental obrigando os germanos, que chegaram a ter uma convivência pacífica com Roma, a forçar as fronteiras do Império Romano, àquela época em declínio, até sua queda, em 476 D.C..


Dessa forma a Europa Ocidental foi sendo ocupada por bárbaros. Encontrando povos mais avançados nas terras invadidas, eles foram absorvendo suas culturas e religiões. Evoluíram e consolidaram a civilização europeia como conhecemos hoje.


Brasil, século XXI.

Não se sabe ao certo como se iniciou a degradação de nossa sociedade. O subdesenvolvimento e falta de educação e cultura contrastaram com o boom da informação e do consumo. A esse choque associou-se o uso generalizado de drogas entorpecentes e a impunidade geral (por vários motivos). Nesse quadro, a maioridade penal a partir dos dezoito anos agravou a situação.

Grupos criminosos organizados, e bem armados, dominaram favelas, verdadeiras cidades. Lá se entrincheiraram, impedindo qualquer ação social ou policial. Inverteram-se os valores. Nesses territórios, o Estado é o intruso.

A droga, por sua vez, potencializou a violência. No mais das vezes, gratuita. Assim, mata-se por um par de tênis ou um celular. Jovens de classe média ateiam fogo a moradores de rua. Jovens de famílias humildes querem possuir artigos de alto luxo como afirmação pessoal. Famílias inteiras são tragadas para guetos, produtos dessas mesmas ações violentas e desregradas, num efeito bumerangue.

Diferentemente dos antigos bárbaros, os violentos e cruéis de hoje têm esclarecimento e informação à sua disposição. Uma rede de atendimento do Estado está pronta a atender às demandas sociais de forma ao menos razoável. Existem leis para proteger os cidadãos e instituições para preservá-las e fazê-las cumprir. 

Acontece que essa massa crítica ganhou uma proporção que o Estado não consegue mais mantê-la sob seu jugo, e o cidadão comum ficou à mercê da violência brutal nas ruas das cidades, nas estradas e nos recantos mais remotos do interior desse imenso país.

“Crianças” portam armas nas salas de aula. Professores, hoje, são reféns. Corruptos permeiam a máquina pública da mais humilde repartição aos mais altos gabinetes oficiais da República. Drogas são comercializadas e consumidas em público e à luz do dia. A morte deixou de causar consternação e indignação. Banalizou-se.


O recente episódio numa penitenciária do Maranhão, no qual presidiários decapitaram presidiários, e ensaiaram passes de futebol com suas cabeças enquanto uma criança de seis anos morria queimada dentro de um ônibus urbano a mando do crime organizado, leva-me a pensar: AH! COMO ERAM DOCES AQUELES BÁRBAROS!

*Pedro Altino Farias
Engenheiro Civil e Jornalista

Titular da Cadeira de Nº 16 da ACLJ

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