SÉRIE
DESLIZES NA ESCRITA
Impropriedades do Discurso
(1de 4)
(1de 4)
Por Vianney Mesquita*
Se não quiseres ser
esquecido, mal estiveres morto e apodrecido, escreve coisas dignas de ler ou
opera coisas dignas de escrever. (FRANKLIN, Benjamin – Boston, Mass, 17.01.1706;
Filadélfia – Pens., 17.04.1790).
Martins Filho |
Reunimos, então,
anotações de erros gramaticais e estilísticos, muito comuns, evidentemente, no
texto de qualquer um que transfere a ideia, do jeito como nasceu, para o
suporte de escrita – seja papel ou espécie outra – sem submetê-la ao próprio
crivo revisional ou a outra pessoa que lhe possa aprestar a qualidade
escritural, a fim de poder restar pronta, responsavelmente, para publicação.
Não nos ativemos,
porém, a esse estalão de impropriedade, até pelo fato de serem naturalíssimos
enganos de tal casta, hajam vistas as dificuldades inerentes à Língua
Portuguesa.
Preferimos, então,
congregar as manias, clichês, modismos, redundâncias, frases feitas,
contradições lógicas e – por que não referir – teimosas bestagens da moda, com
vistas, senão a banir, pelo menos a reduzir a frequência desses escorregos que
tanto malefício trazem à escrita, mui particularmente aos estilos, ao postar na
vala comum todos os que se prestam à atividade de externar pensamentos, por
intermédio de qualquer condutor verbal.
Cuidamos de não
proceder somente aos comentários a respeito dessas pérolas reunidas, mas,
também, preparamos um ensaio propedêutico, fazendo alegações gramaticais e
relativas à elocução, muito particularmente atinentes aos escritos acadêmicos,
móvel principal da edição.
Na segunda parte do
trabalho, cobrindo as bobices, decidimos nos liberar da circunspecção do léxico
científico e imprimir ao escrito o tão apreciado retoque cearense de
espirituosidade, objetivando conquistar o leitor, e até porque, por si mesmos, os
causos escolhidos trazem conteúdo burlesco, conforme a pessoa que os ler poderá
divisar naqueles poucos reproduzidos à frente.
Sobra, felizmente, o
ensejo de expressar o fato de que o volume se esgotou rapidamente e o resultado
foi a quase supressão, de nosso meio universitário, desses sestros ingênuos,
porém malfazejos, verdadeiros vírus
do repertório da Língua de Luís Vaz de Camões (*Coimbra,? 1514; +Lisboa,
10.06.1580).
Desafortunadamente,
entretanto, outros ocuparam seus lugares, como os indefectíveis a partir, construção-construir, apresentar
(emprego excessivo), através, partindo do
pressuposto, por suposto (este trazido do castelão), dar visibilidade e tantas outras muletas novas do aleijado
repertório universitário, o qual, pela “fé do carvoeiro” que imprime, se
espalha pelo jornalismo, a literatura, a língua (dita) culta e a todos os
quadrantes de fala, a qual, indebitamente, é havida como correta, amodernada e
estilisticamente assentada.
Trago, neste passo, à
colação, com as modificações solicitadas pela diacronia imanente aos códigos glotológicos
– pelas quais me responsabilizo – a narração de algumas dessas escorregadelas de
consulentes nossos, elegidas para compor esta parte do volume, do qual fui coautor
com o nomeado Professor Doutor Anchieta Barreto.
Generalidades
São registadas no
discurso acadêmico, em ultrapassagem às manias, redundâncias, clichês e
contradições lógicas, desconveniências de ordem conceitual e informativa, fato
denotativo, em muitos casos, do despreparo das pessoas até no estádio
elementar.
Quando da exposição de
conceitos, reprodução de brocardos célebres, informações acerca de datas e
lugares, ou de quaisquer comunicações de que não se guarda a devida certeza, é
sempre de boa proposta conferir, se possível em mais de uma fonte idônea, a
exatidão da ideia que se vai publicar. Somente assim, os produtores de
mensagens didático-científicas não serão responsáveis por induzir ao engano e
conduzir leitores à falácia, haja vista a propriedade, encerrada pelo erro, de
velozmente se multiplicar.
Demonstrativo da
carência de informação primária é, verbi
gratia, o caso de uma mestranda cuja dissertação foi-me entregue para
revista. Ela mencionou, numa passagem do seu estudo, a admiração de Leonardo Da Vinci ante a perfeição do seu David: “Parla”!
– teria dito.
Todos hão de notar, de
plano, que a ensaísta, no calor, agitação, cansaço e falta de conhecimento,
permutou a obra e o escultor: a peça era Moisés
e Miguel Ângelo Buonarroti o artista (BUONARROTI, Michellangelo di Ludovico
Simoni. *Caprese, 06.03.1475; + Roma, 18.02.1564).
Sem-razões como esta,
e de outras naturezas, são corriqueiras nos ensaios de altos estudos da seara
científica. Para efeito de demonstração, foram pinçados do livro sob comentário
uns poucos desses sucessos.
Geografia Violentada
Um estudante de
doutorado em História (note-se o veio mordente) prejudicou sensivelmente os
suecos e, muito particularmente, o historiador de religiões, filósofo e
filólogo francês Georges Dumézil (Paris, *04.05.1898; + 11.10.1986), que
preferiu ficar na Suécia com a transferência da cidade de Uppsala para a Suíça .
Os estudos de Dumézil, decerto, foram interrompidos, porquanto lhe subtraíram a
célebre Universidade, fundada em 1477, e com ela a biblioteca, com o Manuscrito
de Ulfilas (Codex argenteus).
Outro fez pior, pois
tirou Liége da Bélgica e a entregou à França; transferiu Estrasburgo para a
Alemanha e se referiu às belas praias marítimas do interior do Ceará.
Complementando o dislate, identificou Eire e Irlanda do Norte como o mesmo
país.
Creio em Deus Pai!
A profissão de fé e
símbolo dos apóstolos referida aqui não é o Credo de Niceia, tampouco de
Constantinopla, mas o “Credo de Messejana”, no qual o mestrando arranjou um
lugar para Judas Iscariotes.
Dizendo que o tema do
seu estudo (invasões de propriedades rurais) não era do seu agrado, quase
imposto que foi pela orientadora, acentuou:
Entrei neste assunto como Judas
entrou no Credo!
E eis que invadiu a
propriedade de Pôncio Pilatos, cuja atitude foi, de pronto, lavar as mãos.
Lineu, Ventríloquo de
Leibniz
Lineu |
Voltaire |
O botânico sueco Carl
von Linné (*Rässhult-Kronoberg, 23.05.1707; +Uppsala, 10.01.1778) – o pai – tinha apenas
nove anos quando Leibniz morreu.
Leibniz |
*Vianney Mesquita
Professor da UFC
Escritor e Jornalista
Membro da Academia Cearense
da Língua Portuguesa
Titular da Cadeira de nº 22 da ACLJ
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