sábado, 11 de janeiro de 2014

RECENSÃO


Escolástica:

NÃO HÁ CIÊNCIA DO SABER PARTICULAR
Vianney Mesquita*


A ciência é uma esplêndida decoração para a sala superior do homem, se ele possuiu no rés do chão uma boa dose de bom senso (HOLMES, Oliver Wendell. Cambridge -Mass., 29.08.1809 – Boston – Mass. 07.10.1894).






Sob a óptica do espectador menos devotado à análise dos procedimentos do trato científico, pode afigurar-se inacreditável, minimamente arrebatador, o fato de ser possível a vinculação racional em vertentes de aparências dessemelhantes, de origens tão supostamente díspares, como nessa comprovada pela Professora Maria da Graça Holanda Martins, autora do volume sob exame.

Reporto-me à obra O Homem – nas abordagens mecanicista e humanista da Administração e no Humanismo de inspiração cristã (Fortaleza, Imprece), editada em excepcional ocasião, propícia a excitar, ainda mais, a já efervescente reflexão, felizmente em voga na atualidade de ambiência da nossa Academia.

Isto porque – e ela, de sobra, conhece este suposto – o exame da ciência não tem por objeto o saber particular, pois é inexequível reunir em insulado conceito, estabelecer somente numa lei o ror de detalhes e situações particulares, constitutivos do ser ou do fato individual: De individuo nulla scientia – ensina a velha, revisada tantas vezes e, em muitos pontos, ainda, acreditada Escolástica.

Neste debate, eminentemente interdisciplinar, a dita Pesquisadora não perde o foco, portanto, das grandes ligações da realidade do ser, e deixa de sujeitar-se ao risco de reduzir a visão a um apoucado domínio da técnica, em virtude do desdobramento dos objetos, o qual conduziu a discussão da ciência a uma gradual especialização.

A Autora demonstra, com efeito, no seu substancial e bibliograficamente bem forrado escrito, o caráter extensivo, a feição horizontal e o perfil encadeado do saber ordenado, ao hospedar para arguir, sob o mesmo pálio argumentativo, o tema da Administração Científica e da Teoria da Burocracia, com base na conceição de homem esposada nas abordagens mecanicista e humanista desta ciência-técnica, para saber se - e até onde - a ideação de humano, nesses dois sistemas, converge ou diverge para a homovisão do Humanismo de inspiração cristã.

Conforme já se dessume, a despeito da postiça falta de identidade temática, os assuntos são passíveis de avaliação, entretanto solicitam a necessária diligência intelectiva, a exigir do estudioso o apuro intelectivo preciso para fruir de juízos absolutamente racionais, a fim de podê-los partilhar com a universalidade, pois vazados no caminhar sereno pelas sistematizações sob ordem metodológica, acumuladas pela riqueza do conhecimento em depósito.

Esses aprestos intelectuais, evidentemente, a Professora Graça Martins detém sobejamente, porquanto os resultados deste seu ensaio podem ser socializados, haja vista representar manancial de fé, do lado de quem, por toda a vida, mourejou em bancos e laboratórios idôneos e fez da existência ateliê de raciocínio, forja de experimento e terreno para testes.

Conquanto se mostre a mim possível antecipar os proveitos da investigação sob glosa, vi por bem a isto não proceder, para não baldar o interesse do provável consulente do livro, tampouco frustrar a sofreguidão daquele leitor mais vexado, cuja necessidade orgânico-psíquica o levará a consumir, com rapidez, todo o teor do curto e substancioso esforço investigativo.

De passagem, no entanto, me cumpre chamar a atenção para o sortimento interdisciplinar do escrito, porquanto reúne o entendimento profuso, quase inusitado, de vários gradis do conhecimento ordenado – Administração, Humanismo, Filosofia, Religião, Trabalhismo, entre outros – concedendo horizontalidade ao feito científico, conjunção de procedimentos múltiplos, significativos da parêmia escolástica Omne individuum ineffabile ou “O todo individualizado é inexprimível”.

Inexiste, por conseguinte, em tese, o saber particular: Non datur scientia de individuo.


*Vianney Mesquita
Docente da UFC, jornalista e escritor.
Titular da Academia Cearense da Língua Portuguesa e da
Academia Cearense de Literatura e Jornalismo.

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