sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

ARTIGO

AÇUDE CASTANHEIRO NO VALE DO JAGUARIBE
Por Cássio Borges*



No auge das discussões em torno da construção ou não da Barragem do Castanhão, no ano de 1986, o DNOCS foi acusado de ser “contra” a referida obra, motivado por “ciúme” dos seus técnicos às incursões do Departamento Nacional de Obras de Saneamento - DNOS em sua tradicional e exclusiva área de atuação no semiárido nordestino, uma repetição da situação atual às mesmas pretensões da CODEVASF - Companhia de Desenvolvimento do Vale do Rio São Francisco.

Era o início de uma luta do tipo “vale-tudo” para minimizar uma questão  até então vista sob o prisma “sócio/econômico/ambiental” e transformá-la numa tese “político-partidária”. Para isso, mobilizou-se a opinião pública com avassaladora propaganda e marketing  na mídia (nunca visto), para persuadir a opinião pública, leiga em assuntos de engenharia, à aprovação desta mega barragem  no Estado do Ceará.

Desde então, criou-se  um clima eufórico favorável  à construção desse empreendimento que tinha como objetivo principal a implantação de 75.000 hectares de irrigação na Chapada do Apodi. Naquela ocasião, entre outros argumentos falaciosos para justificar essa  obra,  diziam “tratar-se de uma reivindicação de 80 anos da população cearense”, numa ardilosa referência a um acidente geográfico, denominado, Boqueirão do Cunha mapeado pelo geólogo Roderic Crandell, em 1911, a serviço do IFOCS - Inspectoria Federal de Obras Contra as Secas, quando foi publicado o primeiro mapa geológico da região nordestina.

Até o ano de 1985, quando a Barragem do Castanhão surgiu no cenário cearense, o DNOCS jamais havia previsto qualquer  reservatório de acumulação no Boqueirão do  Cunha. Até então,  não existia nenhuma bibliografia, seja do DNOCS ou da SUDENE, ou de qualquer outra entidade federal ou estadual que fizesse referência  a qualquer  obra de açudagem no referido local indicada pelo DNOS (não confundir com o DNOCS). 

Ademais, o DNOS, com sede no Rio de Janeiro, não tinha nenhuma experiência em questões do semiárido nordestino e acabou sendo extinto no governo de Collor de Melo.

A prova mais evidente do que acima foi dito é o que se vê no ESTUDO GERAL DE BASE DO VALE DO JAGUARIBE (12 volumes),  no tomo POLÍTICA DAS ÁGUAS, publicado pelo GRUPO DE ESTUDOS DO VALE DO JAGUARIBE-GVJ/SUDENE, em 1967 (considerado a bíblia do Vale do Rio Jaguaribe), cujo trecho do Capítulo II transcrevo a seguir:  
                                      
“Os açudes Orós, Banabuiú e Castanheiro constituirão a estrutura básica do sistema de regularização do potencial hidráulico do Vale do Jaguaribe e assegurariam um descarga utilizável de 34,5 m3/segundo, permitindo a irrigação de 72.500 há efetivamente  irrigados. Essa  estrutura deverá ser complementada por uma série de obras interanuais que permitirão irrigar 140.000 hectares.”                  
                           

Pelo visto, ao contrário do que diziam os seus idealizadores e promotores, não é verdade que o açude Castanhão se “constituiu” numa reivindicação de 80 anos da  população cearense.

Deste estudo da SUDENE tiram-se as seguintes  conclusões:

1) O Açude Castanheiro, no Rio Salgado, afluente principal do Rio Jaguaribe por sua margem direita, estaria na cota do RN= 239m e teria uma área  de abrangência sobre o Vale do Jaguaribe bem maior do que a do Açude Castanhão, na cota 50m, próximo do litoral; 

2) O Castanheiro ficaria distante cerca de 326 km do mar (pelo talvegue do rio), enquanto o Castanhão está, de fato, a apenas 150km;  

3) Caso a opção fosse pela construção do açude Castanheiro  esse teria uma largura de apenas 40 metros de comprimento, enquanto o  Castanhão foi construído  (pasmem!) com 10.500 metros;

4) No Castanheiro praticamente não haveria  espelho de evaporação exposto ao sol;
 
5) O Açude Castanhão não acrescentou um só centímetro à perenização do Rio Jaguaribe, pelo  contrário, “destruiu” ou   “inutilizou” com a inundação de sua imensa bacia  hidráulica 70 km da regularização de vazões promovidas pelo açude Orós e 40 km da perenização  promovida pelo Açude Riacho do Sangue.

Por fim, é  lamentável  que  os 10.000 hectares de férteis solos  da Planície de Icó, referido nos estudos do DNOCS e da SUDENE , ficarão sem possibilidade de utilização porque é uma área sujeita a inundações periódicas, problema que seria solucionado pelo Açude Castanheiro. Além disso, sua irrigação dependeria principalmente das águas acumuladas nesse reservatório. 

Os açudes Orós, Banabuiú e Castanheiro, considerados “Obras Chaves” ou “Barragens Mães” do Vale do Jaguaribe, teriam também, entre outras,  a importante função de amortecer as enchentes em toda aquela importante Região do Estado do Ceará, conforme enfatiza o  citado estudo da SUDENE.

* Cássio Borges
 Engenheiro Civil 
    Especialização em recursos hídricos e barragens 
  Membro Honorário da ACLJ


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