RESPEITO
E POLÍTICA
Rui Martinho Rodrigues*
O debate político atual faz uso recorrente da palavra “respeito”. É
conveniente e oportuno explicitar o sentido daquilo que se diz. O dicionário de
Francisco Fernandes e Celso Pedro Luft apresenta como sinônimos do vocábulo
aludido: veneração, acatamento, reverência, submissão, obediência,
consideração, contemplação e apreço. A literatura política clássica não usa
tanto o termo, tão repetido nos dias atuais.
A tradição democrática, indubitavelmente, não se enamora da
semântica do léxico citado. O que é próprio da democracia é a convivência
pacífica com o diferente. Mas, paz não combina com a interpretação histórica
que considera o conflito o motor do progresso. Então, a reivindicação de
respeito ultrapassa a proposta de coexistência pacífica. Será um eufemismo para
a exigência de submissão?
A visão do conflito como alavanca do progresso é um poderoso fator
de legitimação em política. Mas o que é progresso? Qual o preço que estamos
dispostos a pagar por ele? O caminho do progresso é seguramente identificável
quando se trate de um problema específico. A tecnologia oferece tal coisa. Um
motor mais potente, que produza menos resíduos e gaste menos energia, sendo
mais durável, mais barato e mais simples de operar é um progresso relativamente
ao modelo anterior.
O significado de progresso, quando referido a sociedade, leva ao
debate sobre os critérios que o definem. Exigir tolerância, submissão,
reverência ou acatamento não é uma forma de demonstrar a excelência de uma
proposta política. Caso tolerância adquira o sentido de coexistência pacífica,
esta não deve cercear a liberdade de expressão, o direito a crítica ou para
constranger as consciências.
Classificar como preconceito juízo formulado sobre o que se conhece
é um erro, pois se trata de conceito sem “pre”, já que não veio antes do
conhecimento do objeto cognoscível. Pode, ainda, ser uma tática de
constrangimento. É típico de um “puritanismo” político cujas origens Jonah
Jacob Goldberg (1969 – vivo), na obra “Fascismo de esquerda”, situa no fascismo.
A intolerância está na atitude de quem exige submissão, reverência,
acatamento sob o eufemismo “respeito”. Tolerantes contentam-se em coexistir
pacificamente. Missionários políticos lutando por uma solução que alcance a
raiz das desventuras humanas, empenhados em chegar ao céu sem precisar morrer,
que Michael Joseph Oskshott (1901 – 1990) comparou ao esforço capitaneado por
Mirode para chegar ao céu por conta própria construindo a Torre de Babel são
intolerantes.
Vilfredo Paretto (1848 – 1923) nos descreve resíduos e derivações
na forma de reminiscências cognitivas, axiológicas e emocionais que condicionam
o nosso pensamento. Parece ser o caso de exigências de submissão a valores e
concepções, camuflando-as sob o eufemismo tolerância, pretendendo cercear a
loberdade de expressão e de consciência, desclassificando os valores do outro
como preconceito.
O desconhecimento das razões do outro causa estranhamento. A
divergência incomoda a que se presume esclarecido, dando a isso o significado
de superioridade moral e intelectual. A isso se soma o messianismo laico, além dos
resíduos e derivações inquisitoriais da Idade Média. Projetar a prória
intolerância no outro pode ser um mecanismo de defesa. Pode ser também uma
tática solerte de dominação.
A política tolerante deve ter em vista resultados pretendidos, a
viabilidade delas, a credibilidade e os sacríficos necessários para implementar
projetos. Defender um mundo melhor, fraternidade e bondades dignas de um anjo
de luz não justifica a exigência de submissão camuflada de respeito.
Publicado no focus.jor.
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