terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

ARTIGO - Respeito e Política (RMR)


RESPEITO
E POLÍTICA
Rui Martinho Rodrigues*


O debate político atual faz uso recorrente da palavra “respeito”. É conveniente e oportuno explicitar o sentido daquilo que se diz. O dicionário de Francisco Fernandes e Celso Pedro Luft apresenta como sinônimos do vocábulo aludido: veneração, acatamento, reverência, submissão, obediência, consideração, contemplação e apreço. A literatura política clássica não usa tanto o termo, tão repetido nos dias atuais.

A tradição democrática, indubitavelmente, não se enamora da semântica do léxico citado. O que é próprio da democracia é a convivência pacífica com o diferente. Mas, paz não combina com a interpretação histórica que considera o conflito o motor do progresso. Então, a reivindicação de respeito ultrapassa a proposta de coexistência pacífica. Será um eufemismo para a exigência de submissão?

A visão do conflito como alavanca do progresso é um poderoso fator de legitimação em política. Mas o que é progresso? Qual o preço que estamos dispostos a pagar por ele? O caminho do progresso é seguramente identificável quando se trate de um problema específico. A tecnologia oferece tal coisa. Um motor mais potente, que produza menos resíduos e gaste menos energia, sendo mais durável, mais barato e mais simples de operar é um progresso relativamente ao modelo anterior.

O significado de progresso, quando referido a sociedade, leva ao debate sobre os critérios que o definem. Exigir tolerância, submissão, reverência ou acatamento não é uma forma de demonstrar a excelência de uma proposta política. Caso tolerância adquira o sentido de coexistência pacífica, esta não deve cercear a liberdade de expressão, o direito a crítica ou para constranger as consciências.

Classificar como preconceito juízo formulado sobre o que se conhece é um erro, pois se trata de conceito sem “pre”, já que não veio antes do conhecimento do objeto cognoscível. Pode, ainda, ser uma tática de constrangimento. É típico de um “puritanismo” político cujas origens Jonah Jacob Goldberg (1969 – vivo), na obra “Fascismo de esquerda”, situa no fascismo.

A intolerância está na atitude de quem exige submissão, reverência, acatamento sob o eufemismo “respeito”. Tolerantes contentam-se em coexistir pacificamente. Missionários políticos lutando por uma solução que alcance a raiz das desventuras humanas, empenhados em chegar ao céu sem precisar morrer, que Michael Joseph Oskshott (1901 – 1990) comparou ao esforço capitaneado por Mirode para chegar ao céu por conta própria construindo a Torre de Babel são intolerantes.

Vilfredo Paretto (1848 – 1923) nos descreve resíduos e derivações na forma de reminiscências cognitivas, axiológicas e emocionais que condicionam o nosso pensamento. Parece ser o caso de exigências de submissão a valores e concepções, camuflando-as sob o eufemismo tolerância, pretendendo cercear a loberdade de expressão e de consciência, desclassificando os valores do outro como preconceito.

O desconhecimento das razões do outro causa estranhamento. A divergência incomoda a que se presume esclarecido, dando a isso o significado de superioridade moral e intelectual. A isso se soma o messianismo laico, além dos resíduos e derivações inquisitoriais da Idade Média. Projetar a prória intolerância no outro pode ser um mecanismo de defesa. Pode ser também uma tática solerte de dominação.

A política tolerante deve ter em vista resultados pretendidos, a viabilidade delas, a credibilidade e os sacríficos necessários para implementar projetos. Defender um mundo melhor, fraternidade e bondades dignas de um anjo de luz não justifica a exigência de submissão camuflada de respeito.

Publicado no focus.jor.


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