O LIVRO
Reginaldo
Vasconcelos*
Acabei de ler um livro que ganhei de um grande amigo,
leitura que fiz com muito vagar, algumas páginas antes de me recolher a cada
noite. Cheguei à última folha do livro na véspera do natal, e então fui alcançado por uma
nostalgia inesperada, ao devolver à indiferença da estante os inúmeros
personagens com que convivi, e os ambientes oníricos em que eles se inseriam.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgcuoziVqDlvwFlrFLq5CO4u9QK-SRRpBjdoOM5N6oehCS_SB-HCKwJJMooNXeFhOTR4_e1oS6u4ZV1V1P5mL7uLxIGWmsVdpg_CRJ5BY99qcywq6yKtLlcUEAiq4g-r0aP0aT0EF0NKTmv/s320/IMG-20181227-WA0050+%25282%2529.jpg)
As duas derradeiras matriarcas se foram nos últimos meses,
e então descobrimos que elas ainda detinham a representação viva da parentela mais antiga, que se vinha reduzindo a cada ano. A partida das duas
fechou o primeiro tomo da família, convertendo o que era a doce alegria da dita "noite feliz" em
taninos de saudade e de esperança.
Assim, a história real que vínhamos escrevendo havia anos terminou abruptamente entre os sinos de Noel – com final feliz, é verdade, pois o
longo roteiro da nossa vida não passou por dores e tragédias. Todos os atores que povoaram
a saga que escrevemos por meio século se retiraram do palco da vida sob aplausos efusivos, sem nenhum trauma maior, com as suas metas cumpridas e com as suas falas concluídas.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi44SKhMNWEEcaZhzNsUp0wspP6kLCq1ncuBm4XQ6RWuMhu4WDzDZbHsSZpibEYAZGFDnDFHSaZSR2DgZQwez1ZpMUk0lIlI8U03RdYAjDD4YgIPktNAYqFhw7fyrmubcuDcC3Wqm9XwYNv/s200/CASA+494.jpg)
Minha avó, filha de carioca e neta de inglês, se mantinha
sempre a meio metro da mesa da cozinha e a dois metros do fogão, de onde apenas
estimulava a criada para as tarefas triviais, que esta conhecia bem, enquanto a despensa somente o meu avô supria e administrava.
Mas nas festas de fim de ano, e só então, Dona Jurema
Dowsley metia literalmente a mão na massa, para espalhar farinha de trigo sobre
o mármore e elaborar os seus pasteizinhos, que
eram o único item de seu caderno de receitas, fórmula ágrafa que somente no natal ela punha em prática e que foi com ela para
o além.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj46BYU29bu40R6_j28kGosxI0x8CVJU6XNJV1TQzMVZpKBt2-nG62TaGNVJMfG5WQO79f9a4wzKSJ2EEIu5p_Fd5BizQW3xmv_j6PNOoJju2al64Nxk-6qt7NIBONKqIn1lVu7BxCf3LWS/s320/FAM%25C3%258DLIA.png)
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiwZTqSNP7OKpV90qQNtxNZtJwyIv6Z3KsVII9lUwv_yR8_UAs7EC0sqGuh3C6fgF7IcMJHdNha3DaTlezkdr9jgeJtvk-_v4VtSdNTlY68rpeoi4LvIXLYiz98iCM-6tDOChIRZxp6ovaR/s320/ADILSON+I.jpg)
Mas todos os adultos daquele ambiente já se despediram
do mundo, salvo algumas mulheres, que são sempre mais longevas. A terceira
leva, a que pertenço, toma a dianteira na fila, já a páginas tantas do romance da existência, faltando poucos capítulos para alcançar a contracapa. Fechou-se um ciclo. Filhos adultos e sobrinhos, netos e sobrinhos-netos, já rascunham para o futuro um novo volume de memórias.
Nenhum comentário:
Postar um comentário