A
TRAGÉDIA DE MILAGRES
Rui
Martinho Rodrigues*
A missão precípua dos órgãos de segurança é proteger vidas.
A morte de terceiros inocentes representa um fracasso dos citados órgãos em
face do seu objetivo principal: é proteger vidas. Prender uma dezena de
bandidos armados não é bem uma operação policial. É operação de guerra e em
guerras ocorrem as lamentáveis perdas colaterais. Nas guerras se armam
emboscadas. A surpresa é um objetivo tático e estratégico.
Operação de segurança têm múltiplos objetivos. A proteção
da vida dos agentes do Estado é um deles. O número de policiais assassinados é
alarmante e continua crescendo. Enfrentar o chamado novo cangaço, que reúne
grande número de bandidos bem armados, é missão perigosa. As informações
disponíveis na hora do enfrentamento nem sempre são tão completas como aquelas
divulgadas depois do fato. Os policiais, por ocasião do combate, sabiam da
existência de reféns? Deixaram de saber por alguma negligência? A Polícia
Rodoviária Federal sabia da captura dos reféns, na calada da noite, em algum
lugar nas centenas de quilômetros das rodovias do Ceará? Provavelmente não.
Policiais prepararam uma emboscada para os bandidos e
valeram-se da surpresa? Terão agido de modo adequado ao tipo de missão que
cumpriam, se assim o foi. Estavam diante do estrito cumprimento de um dever
legal (art. 23, III, do CPB), que no caso era enfrentar bandidos fortemente
armados e perigosos. Daí a excludente de ilicitude. Terceiros inocentes devem
ser protegidos. Mas não esqueçamos a reserva do possível. Houve dolo, por parte
dos policiais, ao atirar contra os reféns? Não está provado e não faz sentido.
A presunção de inocência deve prevalecer. Não havendo dolo, teria havido
imprudência ou negligência? Não parece configurar estas hipóteses efetuar
disparos em meio a um combate, enfrentando uma verdadeira batalha campal, alta
hora da noite, quando não se espera que existam reféns nem transeuntes.
Durante os jogos olímpicos de 1972, na Alemanha,
terroristas sequestraram atletas de Israel. A intervenção das forças de
segurança resultou na morte dos reféns. Os policiais alemães estavam bem
equipados, eram bem treinados e sabiam da existência dos reféns. A tragédia,
porém, não foi evitada. Operações envolvendo grupos numerosos de bandidos bem
armados e pessoas inocentes não estão a salvo de terríveis tragédias. Não
devemos, todavia, julgar episódios distintos da mesma forma. O episódio de
Munique foi outro caso. Também não devemos misturar a tragédia de Milagres com
outros acontecimentos em que alguns policiais agiram criminosamente. O cangaço
tradicional foi combatido com muita energia. O novo cangaço também terá de ser
enfrentado de modo enérgico.
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