terça-feira, 11 de dezembro de 2018

ARTIGO - A tragédia de Milagres (RMR)


A TRAGÉDIA DE MILAGRES
Rui Martinho Rodrigues*


A missão precípua dos órgãos de segurança é proteger vidas. A morte de terceiros inocentes representa um fracasso dos citados órgãos em face do seu objetivo principal: é proteger vidas. Prender uma dezena de bandidos armados não é bem uma operação policial. É operação de guerra e em guerras ocorrem as lamentáveis perdas colaterais. Nas guerras se armam emboscadas. A surpresa é um objetivo tático e estratégico.

 
Operação de segurança têm múltiplos objetivos. A proteção da vida dos agentes do Estado é um deles. O número de policiais assassinados é alarmante e continua crescendo. Enfrentar o chamado novo cangaço, que reúne grande número de bandidos bem armados, é missão perigosa. As informações disponíveis na hora do enfrentamento nem sempre são tão completas como aquelas divulgadas depois do fato. Os policiais, por ocasião do combate, sabiam da existência de reféns? Deixaram de saber por alguma negligência? A Polícia Rodoviária Federal sabia da captura dos reféns, na calada da noite, em algum lugar nas centenas de quilômetros das rodovias do Ceará? Provavelmente não.


Policiais prepararam uma emboscada para os bandidos e valeram-se da surpresa? Terão agido de modo adequado ao tipo de missão que cumpriam, se assim o foi. Estavam diante do estrito cumprimento de um dever legal (art. 23, III, do CPB), que no caso era enfrentar bandidos fortemente armados e perigosos. Daí a excludente de ilicitude. Terceiros inocentes devem ser protegidos. Mas não esqueçamos a reserva do possível. Houve dolo, por parte dos policiais, ao atirar contra os reféns? Não está provado e não faz sentido. A presunção de inocência deve prevalecer. Não havendo dolo, teria havido imprudência ou negligência? Não parece configurar estas hipóteses efetuar disparos em meio a um combate, enfrentando uma verdadeira batalha campal, alta hora da noite, quando não se espera que existam reféns nem transeuntes.


Durante os jogos olímpicos de 1972, na Alemanha, terroristas sequestraram atletas de Israel. A intervenção das forças de segurança resultou na morte dos reféns. Os policiais alemães estavam bem equipados, eram bem treinados e sabiam da existência dos reféns. A tragédia, porém, não foi evitada. Operações envolvendo grupos numerosos de bandidos bem armados e pessoas inocentes não estão a salvo de terríveis tragédias. Não devemos, todavia, julgar episódios distintos da mesma forma. O episódio de Munique foi outro caso. Também não devemos misturar a tragédia de Milagres com outros acontecimentos em que alguns policiais agiram criminosamente. O cangaço tradicional foi combatido com muita energia. O novo cangaço também terá de ser enfrentado de modo enérgico.


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