A HISTÓRIA BRASILEIRA
SEM PARTIDO E SEM DOUTRINA
DE ÁLVARES CABRAL
A TEMER LULIA
Reginaldo Vasconcelos*
Por volta do ano de 1500, Portugal era
um patinho feio entre as monarquias da Europa, pobre e atrasado diante do
portentoso Reino Unido, da França dos Luíses, do Reino da Germânia, da Vetusta
Itália, e mesmo da Espanha dos Reis Católicos. Restava aos lusitanos se
lançarem ao oceano em busca de colonizar terras mais férteis no “além-mar”, e
buscando novos caminhos para o comércio com as Índias.
A África era um continente periférico,
em que tribos de diferentes etnias negras se digladiavam, como até hoje, e escravizavam-se
entre si, vendendo suas presas humanas a traficantes europeus, que as conduziam
e as comercializavam nas colônias das Américas, para o trabalho doméstico e
para a lida nas lavouras.
Os aborígenes americanos, provavelmente
de origem mongol, por seu turno, viviam nus, praticamente na Idade da Pedra,
com parco patrimônio cultural e tecnológico, caçadores e coletores sem qualquer
prática pecuária e com experiência agrícola insipiente.
Então, como havia notícias de
aventureiros dando conta de terras incultas para além do horizonte, o navegador
Álvares Cabral cruzou o mar e aportou no que seria o Brasil, com as suas 13
cascas de nozes flutuantes, e reclamou para o seu país a posse daquela terra
que ele acreditava fosse uma ilha.
Nesse momento, a História convocou
aqueles três povos infelizes para constituir uma nova nação, cada um condenado
a contribuir com grau de sacrifício específico, conforme o nível evolutivo em
que se encontrava no momento. E é preciso raciocinar segundo a conjuntura da época,
para analisar a realidade com isenção.
Qualquer um de nós contemporâneos,
fosse um português naquele contexto não teria nenhuma opção melhor para a sua
senda evolutiva, enquanto, fosse um africano escravizado ou um bugre americano,
de sorte passiva naquele momento, nenhum teria alternativa senão enfrentar aquele
destino.
Aliás, tenho certeza de que nenhum de
nós quereria ser hoje um cidadão português, ainda conservando o mesmo patamar
socioeconômico, muito menos um africano, tampouco um silvícola, como foram os
nossos ascendentes. Mas é o que seríamos ainda, não tivesse a História
deliberado diferente.
Absurdo se fazerem leis atualmente para
distinguir essas três raças, sob qualquer pretexto social ou protetivo (a não
ser em favor dos grupos ainda segregados em aldeias), pois, institucionalmente,
todos os cidadãos brasileiros são afro-índio-europeus, independentemente de sua
aparência física ou de seu histórico de família.
Qualquer forma de injúria, racial ou
não, deveria ter punição muito severa, tivéssemos nós mais rigorosa Lei Penal.
Na verdade, a condição socioeconômica é o que divide os nacionais, e isso
somente se resolve com educação gratuita de qualidade, estímulo aos negócios,
promoção do pleno emprego.
Com exceção do patológico ódio religioso
milenar cultivado entre os semitas, as gerações não transmitem dívidas nem ressentimentos
entre si, pois, do contrário, alemães, japoneses e italianos, que compunham o
chamado “eixo”, não se reconciliariam jamais com os ditos “aliados” – EUA,
França, Inglaterra, Rússia, e até o Brasil, dois grupos que se andaram
destroçando durante a Segunda Grande Guerra.
Voltando ao trilho da História, a Coroa
Portuguesa terminou por se transferir para o Brasil, fugindo de Napoleão, e o
País se tornou uma potência mundial na produção de açúcar, de algodão, de cacau, café e borracha – além de madeiras e de minerais nobres extraídos desde o início.
Até que sob Pedro II, um grande
estadista, o modelo escravocrata se exauriu, e a Família Imperial Brasileira
promoveu gradualmente a abolição do cativeiro. A abolição não foi um ato
voluntarioso e humanitário e isolado da Princesa, como se propala, mas uma
contingência socioeconômica que se impunha.
O mundo se modernizava, e os custos de
aquisição e de manutenção de contingentes de escravos não eram mais
compensadores – havendo ainda movimentos de intelectuais e de políticos que se
insurgiam, muito justamente, contra a desumanidade das senzalas.
Dizem os documentos monarquistas que a
Casa Imperial preparava um programa de inserção profissional dos ex-escravos,
para que eles se integrassem gradualmente à sociedade de homens livres.
Malgrado, houve o golpe militar que
proclamou a república, na ideia de imitar a América do Norte, que então já se
tornava o grande paradigma de nação para os brasileiros que se achavam
progressistas.
Instaurada a República,
afrodescendentes, índios aculturados, assim como mestiços de dotes braçais,
demitidos de repente do senhorio e do patronato, em que tinham pelo menos
abrigo e alimento, foram abandonados à própria sorte, substituídos nas suas
funções laborais por italianos e alemães, e depois japoneses, que foram
trazidos aos magotes.
Isso resultou em células de pobreza,
como favelas urbanas e guetos sertanejos, e em estamentos marginais como os
cangaceiros no Nordeste, os capoeiras assassinos no Sudeste, os malandros
brigões dos morros cariocas. Vieram o varejo da criminalidade e o sistema
prisional imenso e infecto, tudo desembocando nas atuais facções criminosas que
se espalham no País.
O fato é que os “Estados Unidos do
Brasil” de Deodoro da Fonseca nunca conseguiram ser uma autêntica república
democrática, nem depois, como “República Federativa do Brasil”, pois veio de lá
para cá de déu em déu, praticando os mesmos vícios dos tempos da colônia.
Fraudando eleições, praticando
empreguismo, dando golpes seguidos, promovendo escândalos financeiros,
entronizando presidentes e governadores ímprobos que se põem a brincar de rei
por alguns anos, para saírem do poder com o seu butim – com raras exceções.
Já poderíamos e deveríamos ter adotado
um saudável parlamentarismo – e até uma monarquia parlamentarista, que nos
inseriria em um clube de nações desenvolvidas altamente civilizadas, sem ter
mais que tentar “macaquear” os “irmãos no Norte”.
Mas nos anos 60 do Século XX os
progressistas brasileiros abandonaram a imitação do Tio Sam “imperialista” e
passaram a acreditar que a solução universal seria o marxismo, que se espalhava
pelo mundo.
Era necessário demitir as imposições da
sorte e do mérito pessoal de cada um, entrevistos no conceito de “justiça
divina”, na proa da mobilidade social, para imaginar um Estado paternal e
implementar uma igualdade absoluta de destinos, a perfeita “justiça dos
homens”, em que todos os direitos básicos inerentes ao ser humano seriam
uniformes e teriam, como contrapartida, apenas existência resignada e obediente –
ideologia que tomou ares de convicção religiosa.
Esse pensamento fanático matou dezenas
de milhões pelo mundo afora, e a resistência a ele no Brasil provocou uma
ditadura de direita que durou 20 anos e vitimou algumas centenas de pessoas,
até hoje pranteadas – dentre intelectuais, jornalistas, estudantes, patriotas
em geral – o melhor do pensamento nacional apaixonado pelos belos e alvares ideais
do socialismo.
Tudo voltou à normalidade democrática
depois, bem como à anormalidade institucional absoluta de sempre – corrupção
por todos os lados, cretinice por todos os cantos, eleições vencidas em
campanhas milionárias à base de dinheiro público desviado.
Uma grande maquinação entre políticos
maquiavélicos e empresários ladrões – com a leniência da grande imprensa
patronal – vinha conspurcando a República, sob o pálio da democracia, pois de
nada adianta a liberdade de imprensa, por exemplo, se somente têm voz os
jornalistas domesticados pelos donos de editoras e emissoras.
Um Supremo Tribunal Federal, composto
por essa política velha, interpreta por maioria a literalidade perversa de uma
norma constitucional segundo a qual o Presidente pode conceder indulto de natal
a criminosos condenados, exercitando a clementia principis (perdão do
príncipe) sem limites, como se “príncipe” este fosse.
Acontece que este Presidente foi eleito
por tabela, de cambulhada com corruptos de um governo ora deposto, com grande
parte dos seus integrantes e aliados respondendo a ações penais – ele mesmo indiciado
por delitos – o que imporia ao maior pretório da República fazer uma
hermenêutica condizente com a verdade real, e não com os termos genéricos que
se podem aduzir de um artigo rançoso que se fez gizar na Carta Magna.
Mas tudo muda se o portador do seixo é
flagrado vagando numa região onde se tenham observado inúmeras lapidações de
inocentes – é assim que se interpretam os fatos para aplicação de leis penais,
como tentou fazer, em vão, a minoria dos vogais do Tribunal.
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