OS PARADOXOS
DA DEMOCRACIA
Rui Martinho Rodrigues*
Washington Luís Pereira de Sousa (1869 – 1957), deposto em 1930,
retornou do exílio anos depois. Entrevistado, ouviu uma provocação sob a forma
de pergunta relativa ao fim das chamadas eleições a “bico de pena”. Respondeu
dizendo que no regime anterior, do qual ele fez parte, faziam-se eleições desonestas
para eleger homens honestos, enquanto o novo regime fazia eleições honestas
para eleger homens desonestos. O ex-presidente estava certo, embora se deva
descontar o exagero da generalização nos dois sentidos, ele expressou um dos
paradoxos da democracia.
O processo eleitoral, no Brasil, vem sendo aperfeiçoado ao longo do
tempo. Voto secreto, capacidade eleitoral ativa do analfabeto, justiça
eleitoral, propaganda franqueada a todos nos meios de comunicação,
regulamentação de debates e doações para as campanhas, fim do coronelismo
tradicional, lei da ficha limpa e outras formas de proteção do sistema
representativo foram aperfeiçoamentos. Acrescente-se que o eleitorado é mais
livre. A qualidade dos eleitos, porém, não reflete os aperfeiçoamentos
aludidos.
Comparados os homens públicos de ontem com os de hoje, de Joaquim
Aurélio Barreto Nabuco (1849 – 1910), e Ruy Barbosa de Oliveira (1849 – 1923),
ainda vindos do Império; passando por João Neves da Fontoura (1887 – 1963),
Osvaldo Euclides de Souza Aranha (1894 – 1960), da primeira República; Afonso
Arinos de Melo Franco (1905 – 1990), Adaucto Lúcio Cardoso (1904 – 1974), até André
Franco Montoro (1916 – 1999), são nomes de elevado valor moral e intelectual,
todos anteriores, no todo ou em parte, ao aperfeiçoamento do processo eleitoral.
Constatamos o declínio da qualidade dos eleitos, ao compará-los com os atuais
atores políticos. Os nomes citados são representativos do perfil dos homens
públicos, ainda que alguns deles estivessem acima da média no seu tempo.
A estatura moral e intelectual dos eleitos vem diminuído,
paradoxalmente, em paralelo ao refinamento do sistema representativo. Não
significa, todavia, que o despreparo intelectual impeça o exercício responsável
do poder e até a postura de estadista, nem se pense que a política seja o lugar
da ética da convicção. Ela se rege pela ética da responsabilidade. Ronald
Wilson Reagan (1911 – 2004) não tinha refinamento intelectual. Mas no seu
governo os EUA saíram da recessão e concluíram os mais importantes acordos de
limitação de armas nucleares realizados até hoje.
Os eleitos, no Brasil dos
dias atuais, em grande parte são intelectualmente rasos. A grande renovação dos
quadros políticos, imposta pelas urnas, acrescentou a inexperiência política e
administrativa ao perfil de muitos dos eleitos, inclusive para cargos da maior
importância. O eleitorado optou pela ruptura com as velhas e viciadas práticas
da vida pública, ao invés da experiência e da habilidade em face do jogo do
poder. Rupturas dificilmente se fazem com maneirismos. Atores sem refinamento e
lideranças populistas ao gosto das massas podem ter o ímpeto necessário à
implantação de mudanças.
Construir uma nova ordem, porém, exige mais do que
simples ruptura. Mas sem ruptura não se fazem mudanças. Primeiro é preciso
semear para depois regar. O eleitorado optou por demolir a casa velha, corroída
pelo patrimonialismo e pelo corporativismo degenerado e, em anos recentes, pela
corrupção sistemática, muito mais voraz do que a velha corrupção presente em
toda a nossa história. Semeou. Precisaremos de mais dois quesitos: (I) competência
habilidosa para construir a nova ordem; e (II) condições dadas pela sociedade,
na forma de compreensão e apoio às reformas necessárias. É preciso regar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário