TEMPOS ESTRANHOS
Rui Martinho Rodrigues*
Vivemos tempos estranhos: suicídio, depressão, dependência química
e criminalidade em alta. Temos os Centros de Atenção Psicossocial; assistência
do SUS, que com todos os defeitos foi um avanço; férias, que eram privilégio de
poucos, agora universais; seguro desemprego, bolsas; pensão da Lei Orgânica de
Assistência Social.
Temos órgãos de segurança dotados de helicópteros, máquinas que
permitem interceptar grande número de telefones simultaneamente; serviços de
escuta das transmissões de rádio dos criminosos; armas modernas; laboratórios
de polícia técnica; novas leis encarceradoras; registros indeléveis de
transações bancárias; Direito premial estimulando colaboração de réus; controle
de armas; recrutamento, seleção e treinamento de policiais melhores que no
passado. Invocamos desigualdade, ausência do Estado, má qualidade dos serviços públicos, que são alegações verdadeiras. Mas, passamos ao largo da comparação com o passado. Incomodaria
o discurso virtuoso. Fatores objetivos são considerados.
A subjetividade, porém, é difícil de ser alcançada por políticas
públicas. Restringimos objetivamente o acesso às armas, oferecemos alguma
assistência social e os meios aludidos de combate ao crime. Tudo em vão. Civilizações
morrem ou se deixam dominar quando desacreditam dos seus mitos e valores, perdendo
suas referências. Quando os bárbaros invadiram Roma o Império já estava
derrotado. Ele mesmo se destruiu. Judeus, porém, não perderam a identidade, nem
passando dois milênios sem território nacional, porque preservaram os seus
valores, mitos, referências.
O Ocidente é uma mistura da tradição grega, hebraica e Romana. A grega
permitiu o crescimento da Filosofia e da ciência. Os romanos nos transmitiram a
tradição jurídica e o pragmatismo. Os hebreus nos deram valores, humanizaram o
nosso mundo. O habeas corpus, governo autorizado pelos governados, organizações
políticas cujos comandos partem dos cidadãos e dirijam-se ao Estado, impondo
obrigações ao destinatário, são exemplos do legado da mistura destas tradições.
O povo o desfrutou de bens e serviços. A mortalidade infantil e o analfabetismo
caíram. Aumentou a escolaridade. Protegeram-se as minorias.
O grego contribui criando e desfazendo conhecimentos e valores,
impulsionando pela crítica a inovação. A maldição de Sísifo que desfaz é
desestabilizadora. A velocidade atual da difusão da crítica não deixa tempo
para a consolidação de formas e conteúdos formadores do sínolo, essência do
ser, segundo a metafísica de Aristóteles (384a.c. – 322a.c). Rompe o equilíbrio
entre diacronia e sincronia, destrói a estabilidade identitária.
Metamorfose contínua, sem identidade, não reconhece a si mesma. É
crise psicológica, social e política. É anomia. É caos. Leis encarceradoras,
treinamento e equipamento de policiais, desarmamento civil, registros e
controles são inúteis diante do niilismo, do relativismo laxista e hedonismo de
uma civilização sem referências, sem mitos e sem identidade.
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