A TRANSGRESSÃO COSTUMEIRA
Rui Martinho Rodrigues*
A vida política brasileira adotou condutas tipificadas como crime.
Fraude em licitação (Lei 8.666/93) e improbidade administrativa (Lei 8.429/92)
são exemplos disso. A tradição patrimonialista, que consiste em misturar e
confundir o patrimônio público com o dos agentes do Estado, foi sistematizado,
aprofundado e difundido, nas últimas décadas. Parece que consideraram os
desvios de conduta como práticas legitimadas por algo assemelhado ao direito
consuetudinário, que surge dos costumes, sem passar pelo devido processo
legislativo.
“Mensalões”, “mensalinhos”, “petrolões”, venda de medidas
provisórias ou do voto, seja do simples eleitor ou de parlamentares, ao lado de
venda de sentença e das chamadas “rachadinhas” ou “pedágio” que consistem em
nomear assessores para usufruir parte do salário destes por meio da retenção de valores (caso não seja uma doação espontânea via caixa 2), tornaram-se costume.
Cobrar uma parcela dos vencimentos de membros de partidos, conhecidas como “dízimo”,
também são práticas antigas.
Os costumes, todavia, só instituem direitos quando não contrariam a
lei. Quando contra legem são ilícitos.
Agentes políticos incursos nas leis incriminadoras são os autores destas normas
de natureza penal. A tradição de fazer lei “para inglês ver”, do tempo em que o
Reino Unido reprimia o tráfico negreiro e, atendendo às pressões diplomáticas da “pérfida
Albion”, o Império do Brasil criava leis contra o tráfico de escravos. Interessados
no referido tráfico ouviam dos seus representantes que as ditas leis eram
apenas “para inglês ver”. “Lei para inglês ver” parece ter orientado os nossos
legisladores. Agora, porém, Polícia Federal, Ministério Público e o Judiciário
entenderam que lei deve ser cumprida. Prefeitos, deputados, governadores e
grandes empresários são presos rotineiramente. Muitos, porém, se reelegem.
Excluir da política os “profissionais do ramo”, como muitos querem,
seria entregar a complexidade da política ao amadorismo. Mas Tom Jobim teria
dito que o Brasil não é para principiantes. O dilema entre tolerância zero e
leniência não oferece boa opção. Talvez se possa distinguir negócios que
envolvem quantias pequenas das negociatas milionárias. Mas, não esqueçamos, há
coisas que são como coçar: é só começar. O que seria crime de bagatela com o
dinheiro público? O erário pode não ser lesionado, mas a confiança fica abalada.
Práticas generalizadas poderiam ser consideradas pelos políticos como costumeiras, embora juridicamente não sejam lícitas? A vida política
estaria inviabilizada, na maioria dos casos, sem alguma prática patrimonialista
e de financiamento heterodoxo de campanha. Quando não levem ao enriquecimento
pessoal, tais práticas deveriam ser toleradas, desde que doravante sejam
abandonadas?
Seria este o caminho das mudanças sonhadas pelos brasileiros?
Podemos afastar e punir todos os políticos que seguiam as práticas
generalizadas? Ou o caminho seria o da reforma política e outras mais, ao invés
de estigmatizarmos, no mesmo balaio, quem fez o jogo da sobrevivência e quem
destruiu as finanças pública se locupletando? Estamos em uma encruzilhada. O
destino da nação está em jogo.
COMENTÁRIO
As “transgressões costumeiras” a
que o Prof. Rui Martinho Rodrigues se refere acima ganharam um adjetivo
semanticamente neológico, quando se diz que tais delitos
foram “naturalizados” – ou seja, tratados como práticas “naturais”,
adotados pelo poder público e tacitamente tolerados pela sociedade como se não fossem
crimes.
Porém, quando interessa à grande
imprensa uma específica devassa, ela traz a lume a conduta atípica de um
determinado agente público, fazendo enorme estardalhaço. Por exemplo, não se
tem notícia das conclusões do Coaf sobre o enriquecimento súbito dos filhos do
então presidente Luiz Inácio – mas agora arma-se uma cruzada contra a família
Bolsonaro, quando Jair Messias ainda nem assumiu o Governo.
Entre dezenas de deputados do Rio de
Janeiro, os pecadilhos presumidos no gabinete do filho do presidente eleito são
os menores – um milhão de reais movimentados durante um ano – quando outros
assessores de deputados cariocas registram valores até quarenta vezes maiores. Ora,
já se sabe que a tal da “Alerj” funcionava como um lixão moral – e é difícil
conviver com o lixo sem sujar as próprias vestes.
Não estou defendendo que se deva tolerar
desvios de homens públicos, sejam quem forem eles, sejam de que monta os
valores, mas estou criticando o linchamento moral antecipado, bem antes de se
apurarem os fatos – e depois de soltar ao vendo as penas de corvo, se torna
impossível recolhe-las novamente.
Primeiramente, é preciso considerar que,
em Direito Penal, “a culpa não passa do agente”, e, portanto, não atinge os
amigos, os parentes, os colegas, os patrões. E, até agora, nada indica conduta
imprópria do Deputado Flávio Bolsonaro. Por outro lado, o fato de haver uma
cota financeira entre os assessores de um deputado não configura infração
nenhuma – é fato sem tipicidade penal.
Assim, conhecida a origem lícita dos
recursos – parcela dos salários dos depositantes – é preciso comprovar que essa
poupança era compulsória, e não espontânea, e que a sua finalidade fosse
criminosa. Nada disso foi demonstrado, mas o flagelo moral contra a família do
Presidente Eleito está silvando de forma inclemente.
Agora vão atrás de saber se os
assessores do Deputado Flávio eram assíduos ao serviço. Ora, Flávio é hoje um
dos senadores eleitos mais bem votados da história do País, o pai dele está até agora determinado a cumprir a sua promessa de atacar e acabar com a corrupção na vida pública brasileira, de
modo que devassar a vida pregressa de seus ex-servidores, a esta altura, somente
para atingi-los, é algo ridículo e insensato.
Reginaldo
Vasconcelos
Nenhum comentário:
Postar um comentário