SER OU NÃO SER, EIS A QUESTÃO
Rui Martinho Rodrigues*
Tivemos uma eleição. A frente vencedora representa uma autêntica
alternância de poder, como há muito não se via no Brasil. Os eleitos enfrentam
o desafio de harmonizar as diversas tendências políticas das forças vencedoras.
É preciso, ainda, honrar os compromissos de campanha; atender as demandas por
mudanças no campo das práticas dos agentes públicos. É necessário empreender a
reforma política. É indispensável reformar o aparato estatal.
O combate à corrupção e ao banditismo vulgar, se somam ao
imperativo de saneamento das contas públicas e desativação da bomba fiscal, para
o que se impõe a reforma previdenciária. O poderoso corporativismo e o
patrimonialismo são obstáculos difíceis de superar. O apoio do novo Congresso
ainda é uma incógnita; a postura do Judiciário, mais precisamente, do STF, dos
meios tradicionais de comunicação, das lideranças políticas sobreviventes e
emergentes, além da conduta da sociedade brasileira, serão fatores de grande
importância, mas ainda ocultos sob o manto do futuro.
A vontade manifesta das urnas terá o apoio de todas essas forças, ou
de algumas delas? Os eleitos saberão conduzir as reformas? Só o tempo sabe a
resposta. Deverão as novas forças desafiar os corporativismos e o
patrimonialismo, tentando modificar o aparato estatal, equilibrar contas
públicas, combater a corrupção e a criminalidade vulgar? Ou deverão lembrar que
a política é a arte do possível, atendendo a necessidade pragmática de fazer
concessões, escolhendo alguns objetivos e adiando outros, ou a eles renunciando?
Quem ousa nem sempre vence, mas quem não ousa jamais realizará os
seus objetivos. As mudanças enumeradas envolvem realidades entrelaçadas. O
enfrentamento da corrupção e a reforma do aparelho do Estado se vinculam a
outras coisas como reforma política, reforma tributária e contas públicas.
Ousar enfrentar tantas forças e obstáculos pode levar ao impasse, a
derrota diante das velhas práticas políticas do patrimonialismo e do
corporativismo de sempre. “Quem com muitas pedras bole uma lhe dá na cabeça”, “quem
não pode com o pote não pega na rodilha”, conforme parêmias populares. Melhor
não ousar? Moderar o apetite reformador? Ou o Brasil, desde as jornadas de
junho de 2013, está maduro para mudar, conforme dizem as urnas nas recentes
eleições? Quem ousa pode fracassar ou vencer. Quem se dá por vencido sem ousar,
todavia, só pode colher um resultado: o fracasso dos próprios sonhos e daqueles
a quem representa.
Diante do desafio ciclópico de governar o Brasil em momento tão
difícil da nossa história, o novo governo deve começar resolvendo o dilema da
fala que abre um dos monólogos do Hamlet, personagem criada por William
Sheakespeare (1564 – 1616): “Ser ou não ser, eis a questão”.
O novo governo
precisará decidir se quer ser reformador, se veio para fazer diferença, se deve
pegar na rodilha porque tem apoio popular para erguer o pote; ou se o limite do
possível aconselha optar pelo caminho da conciliação, fazendo pouco para não
fazer nada e para não ser destituído. Os primeiros passos parecem indicar que a
opção é ousar. Resta saber se o novo governo terá a astúcia da raposa para
evitar os laços, e a força do leão para espantar os lobos, conforme orientação
de Nicolau Maquiavel (1469 – 1527).
Nenhum comentário:
Postar um comentário