GOLPE E AMEAÇAS
Rui Martinho Rodrigues*
Advertência de guerra civil, poder
para incendiar o Brasil, conflitos entre manifestantes e chamamento do
“exército do Stédile” tornaram-se declarações comuns. Trata-se de intimidação. A
pele de cordeiro foi substituída pela imagem da jararaca. Sempre em nome da
democracia.
Proclamações pacifista são misturadas
às ameaças. Proclamações contra o ódio, a radicalização, outras em favor da
concórdia, são postas como exortação dirigida aos violentos. Mas quem são as jararacas?
As manifestações dos oposicionistas se
fizeram, sucessivas vezes, sem que se arrancasse uma flor de um jardim, sem
nenhum conflito com a polícia, sem que a pintura de um só carro sofresse sequer
um arranhão, sem depredação de lojas ou lixeiras incendiadas. Suas manifestações
foram pacíficas. O perigo de violência viria de onde? Os governistas são o
perigo. Apelos pela paz, em tais circunstâncias, são ameaças.
A alegação de golpe, o apelo aos
militantes, o financiamento de manifestações, seja pela oferta de transporte –
inclusive mediante o uso de carros oficiais – seja pelas famosas mortadelas ou
pela remuneração em dinheiro de origem nada misteriosa, esta sim, assume a
configuração de tentativa de “incendiar o Brasil”. Os manifestantes
oposicionistas se apresentam em família, levando crianças, com a participação de
idosos. Não são agrupamentos adequados à prática da violência. Manifestam-se em
dias feriados, o que demonstra cuidado para não causar transtornos à sociedade.
O golpe foi desmentido pela ministra
Carmem Lúcia, do STF, que disse, em clara figura de retórica, não acreditar que
a presidente da República tenha alegado existir um golpe em andamento. O ministro
Celso de Melo confirmou: não há golpe, mas um processo constitucionalmente
previsto. O ministro Dias Toffoli fez coro com os seus pares citados: não há
golpe no impeachment. Os ex-ministros Carlos Veloso, Sepúlveda Pertence e Aires
Brito também disseram: impeachment e julgamento pelo TSE não são golpes. Até o
ministro Luís Barroso, de longa data militante do PT, admitiu que não existe
golpe no procedimento constitucional do impeachment. E a OAB, por ampla maioria,
apoiou e apresentou novo pedido de impeachment.
Golpe é falar em golpe, é o sofisma de
que “não há base jurídica” para o processo político. A base jurídica é um crime
de responsabilidade. Trata-se de um tipo aberto, sujeito ao juízo de valor da
autoridade competente. Analogamente ao tipo “dirigir perigosamente”, o crime de
responsabilidade não descreve uma conduta única, identificável de modo
estritamente objetivo. O que seja crime de responsabilidade é um tipo aberto.
Reconhecer a incidência do referido tipo é prerrogativa do Congresso, em sucessivas
etapas, nas suas duas casas, sob a vigilância do STF quanto aos
aspectos procedimentais.
Os juízes, no tocante ao mérito, são os
parlamentares, que julgam ao modo dos jurados do Conselho de Sentença do
Tribunal do Júri, com base na convicção íntima, no juízo de valor da própria
consciência. Isso é o que distingue juízo político de juízo técnico. Uma vez
obedecido o rito processual definido pelo STF, com os aplausos dos governistas,
o julgamento do mérito formulado pelo Legislativo será legal, legítimo,
democrático.
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