terça-feira, 22 de março de 2016

ARTIGO - Mitocracia (RV)


MITOCRACIA
Reginaldo Vasconcelos*


Antigamente quando eu me excedia,
Ou fazia alguma coisa errada,
Naturalmente a minha mãe dizia
“Ele é uma criança não entende nada”.
Por dentro eu ria satisfeito e mudo,
Eu era um homem e entendia tudo.

Canção
“Sou Uma Criança, Não Entendo Nada”
Erasmo Carlos


Na infância a gente pensa que o mundo adulto é realmente sério e organizado, em contraste com o universo bagunçado dos meninos. Os pais parecem sempre saber o que fazem, impõem disciplina, concentram todo o poder econômico e decisório da família. Acordam cedo, vestem-se sozinhos, dirigem automóveis, vão em hora certa às suas fábricas, lojas ou escritórios, e lá certamente fazem coisas muito graves – assim pensam os pequenos.

Lulinha
Quando produz alguma lorota, conta uma história inventada, nega um pecadilho qualquer que tenha de fato cometido, a criança acha que mentindo está incorrendo em um delito privativo das crianças.

E entra-se assim na puberdade, ousando as primeiras transgressões da adolescência, fazendo coisas secretas no escurinho do cinema, no vão da escada, por traz da cerca, acreditando que os “coroas” são ingênuos e bobos porque não têm a ousadia de fazer o que os jovem fazem, e porque não sabem esconder nada. A vida dos adultos é um livro aberto – pensa o imaturo rebelde sem causa.

Dilminha
Via de regra está certo o rapazinho ou a mocinha que enxerga tudo muito organizado na família e na sociedade – quer sendo estimulado a subverter essa pasmaceira com o modismo mais irreverente, quer aspirando se integrar a esse diagrama esquemático dos adultos – de qualquer forma, em um caso ou no outro, na busca de adquirir poder e independência, pela contestação ou a imitação, conforme a índole genética ou a educação que recebeu. 

E normalmente a maturidade faz mesmo a pessoa convergir para a vida mais convencional, como constatou na juventude o compositor Belchior, na canção “Como Nossos Pais”. O jovem torna-se pessoa de bem – cidadão honesto, bom profissional, membro da burguesia regular, que é o grande contingente social.

Mas, nem sempre. Uma parcela dos jovens descobre que pode continuar mentido e falseando vida afora, enganando os circunstantes em seu autobenefício – iludem o cônjuge, o sócio, o patrão, os clientes... o governo. São os adúlteros, os ladrões, os corruptos, os escroques em geral. E muita vez esses prosperam, crescem na empresa, na igreja, na política.

“Quem mente rouba”, diz o sapientíssimo aforismo. Mas a assertiva não é exata necessariamente nessa ordem. Talvez melhor se diga que “quem rouba mente”, porque a inverdade é instrumento utilitário do delito. Afinal, há as “mentira brancas”, as omissões caridosas, os mistérios do comércio lícito, que “o segredo é a alma do negócio”.

No entanto, na política, atividade para onde costumam convergir os mais degenerados mentirosos, a prática infantil da inverdade provoca danos imensos à cidadania. 

Não imaginaria a criança que defronte uma autoridade esteja diante de um campeão em enganar os outros, seja como fazem os meninos mais cavilosos para obter uma vantagem, seja como usam os moleques mais peraltas para se livrarem de um castigo.

E a mitomania é um labirinto do qual, uma vez entrando nele, não se consegue mais sair. O fio da inverdade forma uma teia que vai envolvendo dramaticamente os mentirosos, que precisam sempre tecer uma nova história para justificar a anterior, a tal ponto que eles mesmos, por fim, não sabem mais sair do engodo que produziram e em que se enredaram totalmente.

Hoje, só com os meus problemas,
Rezo muito, mas eu não me iludo.
Sempre se dizem quando eu fico sério
“Ele é uma homem e entende tudo”.
Por dentro, com a alma atarantada,
Sou uma criança, não entendo nada.
Canção
“Sou Uma Criança, Não Entendo Nada”
Erasmo Carlos

A verdade inicial era fundar um partido que mudasse a lógica da impostura política e da injustiça social. O Lula militante, o Lula deputado, denunciava que a corrupção era nefasta, que os políticos de direita enganavam os pobres com migalhas, matavam de fome os operários, abandonavam os sertanejos, enquanto enriqueciam e concentravam riqueza na mão dos banqueiros e dos grandes empresários.

Mas não dava certo. A força da mentira política superava o seu discurso verdadeiro. Ele conseguia votos da esquerda ideológica para abrir algum espaço, mas não convencia o contingente necessário para chegar à Presidência.

Valia mais a mentira do Collor, que combateria os “marajás”, e o Lula ficava na poeira eleitoral com os seus peões de fábrica, com a parcela dos pobres mais rebeldes, e de alguns dos cidadãos mais probos, que viam nele uma esperança de lisura.

Até que o Lula encontrou o caminho das pedras para a travessia eleitoral – a aplicação da mentira mais pueril. Contratou o marqueteiro do Maluf, Duda Mendonça, professor do Pinóquio, e descobriu então que nessa arte perversa da mentira, por acaso, ele próprio era de fato muito hábil. Certamente evocou o tempo da infância em que fazia travessuras e as negava com sucesso, em que escondia fraquezas para evitar bullyng, em que prometia falsamente para escapar de algum apuro.  

Uma vez eleito, era preciso continuar mentindo para se manter na crista da onda, para contemplar a companheirada, para garantir a “governabilidade”, para obter a reeleição. Pronto: iniciava-se o projeto petista de vinte anos de poder, sob a égide da mentira, travestida de “segredo de estado”. Mentir, mentir e mentir. E, “quem mente rouba” – ou o inverso.

Assim se estabeleceu no Brasil o “Mitocracia” petista – o governo da potoca, da lorota, da peta, da patranha. Ou então a “Cleptocracia”, como quer o Ministro Gilmar Mendes, o governo dos ladrões. Tanto faz.  Dá no mesmo. Começaram com corrupção nas prefeituras, engrenagem tenebrosa que moeu Celso Daniel, entre outros rebelados.  

Em seguida um cartel de empreiteiras, compondo um sindicado do crime, para enriquecimento próprio e o financiamento de campanhas; contratações e aquisições ruinosas nas empresas públicas nacionais; palestras caríssimas que não aconteceram.

Favorecimento a ditaduras alienígenas miseráveis; filhos dos próceres do partido prosperando de forma vertiginosa nos negócios; preços de energia e de combustíveis aviltados para garantir a reeleição, levando astronômicos prejuízos ao erário; campanha eleitoral flagrantemente mentirosa.

Por fim, pedaladas fiscais, a fim de encobrir desmandos orçamentários ligados ao BNDES, falsamente justificadas com as despesas dos programas sociais que na verdade representam uma mínima porcentagem do PIB, mas em contrapartida garantem votos a bambão.   

Por fim, mas não finalmente. Veio a Operação Lava jato, a rebeldia do Tribunal de Contas, o processo de impeachment, as primeiras prisões, as delações premiadas, os acordos de leniência, e então era preciso mentir mais, mentir muito, mentir sempre, mentir como crianças acuadas, sob pena de amargar a queda do Governo.

Lula – eu estou mandando o Messias com o papel, o Termo de Posse, para a gente ter e usar se necessário”. Pressa descabida, linguagem cifrada, desesperado salvo conduto contra a primeira instância da Justiça Federal. Tudo muito claro e muito lógico, tudo muito fácil de entender.  

Depois aparece em público S.Exa. a Sra. Presidente com um outro papel na mão, sem a sua assinatura, dizendo ser o mesmo que enviou ao Lula, para a eventualidade de ele não comparecer à própria posse e mandar o Termo assinado. Fato obscuro, sem lógica, que nem mesmo uma criança aceitaria.

Ainda bem que esse ciclo de mentiras está sendo interrompido pela via constitucional, por meio da Justiça, do Ministério Público, da Polícia – como aconteceu contra as Máfia americana na década de 30 do século passado, e contra a corrupção sistêmica na política italiana, nos anos 90.

Diante da profunda crise – econômica, financeira, política e moral que o País vive – corríamos o risco de que as Forças Armadas – “um bando de generais e um bando de soldados”, segundo Lula as definiu – viessem tomar a pulso a tarefa cívica de socorrer a cidadania, resgatando a coerência, devolvendo a esperança, retomando as rédeas da Nação.


Siga, continue rindo,
Seu mundo lindo construindo,
Não se desespere,
Existe o mundo coerente que você pressente
No riso puro da criança, no beijo do amante,
E na procura incessante da verdade sua,
E que ninguém lhe roubará.
Não esmoreça!
Não esmoreça não!
Quebre a cabeça...

Canção “Quebra Cabeça”,
de Antônio Adolfo
(Rio de Janeiro, 10 de fevereiro de 1947)



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