O GOVERNANTE QUE O
POVO DERRUBOU NO CEARÁ
Wilson Ibiapina*
No momento em que o País vive
feito barco sem rumo em mar revolto, recebo em casa o livro “Libertação do
Ceará”, presente do Embaixador Ronaldo Sardenberg.

O baiano, que chegou ao Ceará
menino, virou farmacêutico, inventou a cajuína, participou da Padaria
Espiritual e ajudou a fundar a Academia Cearense de Letras, escreve sobre a
queda da oligarquia Accioly.
Começa o livro criticando o
governo de Bizerril Fontenelle, administrador nulo que deixou dois mil contos
de reais nos cofres públicos que, depois, foram dilapidados por Accioly.
O escritor diz que “a arte de
governar é muito difícil ao Sr. Bizerril. Faltavam-lhe as boas qualidades
essenciais a um bom administrador. Não basta somente ser honesto para dirigir
bem os destinos de um povo. São necessários outros predicados que o Sr.
Bizerril não tinha. Na terra da seca nunca fez um açude".

LONGO COMENTÁRIO:
Como em todos esses casos,
ainda há historiadores que defendem Nogueira Accioly, apontando acertos que ele
teria tido na “presidência” do Ceará, e colocando-o como vítima, seja de
inimigos políticos, seja de circunstâncias do destino. Nunca vamos saber ao
certo até onde foi a culpa, até onde houve injustiça.
Fato é que ele fugiu do seu
Estado natal tangido pelo povo, protagonizando um episódio burlesco em que o
velho político teria caído acidentalmente no mar, entre vaias, ao descer da “Ponte Metálica”
para embarcar no bote que o levaria ao navio ancorado ao largo, e que o transportaria
para o Rio de Janeiro, para sempre.
Lá no Rio de Janeiro a família
prosperou, havendo hoje ricos empresários cariocas entre os descendentes,
frequentando as colunas sociais.

A família soube disso quando
minha tia noivou com o jovem juiz Antônio Eduardo Pompeu de Sousa Brasil, e o pai
dele foi à casa do futuro consogro, meu avô, a fim de pedir a mão da moça para
o filho e demonstrar esses laços familiares do passado. Naquele tempo, o
casamento entre parentes era muito desejável, pois ainda não se conheciam os
riscos genéticos da endogamia.

Uma vez, em viagem com meu pai,
paramos na estrada para tomar um café e havia na taberna um outro velho que bebia
cajuína. Velhos da mesma geração, como meninos, socializam-se rapidamente, e
logo os dois encetaram uma conversa.
Meu pai, então, achando-se
detentor de um importante dado histórico, perguntou ao interlocutor se este
sabia quem inventara a cajuína. “Sei”, respondeu o idoso placidamente. Surpreendido
com a ilustração do outro, e um pouco incrédulo de que ele soubesse realmente,
o Ayrtão lhe indagou: “Quem foi?”. E a resposta foi imediata: “Minha mãe”.
O Ayrtão, então, fazendo uma
cara de escárnio, abanando o dedinho indicador meio curvo ante o nariz do outro
velho, redarguiu: “Não senhor! Foi Rodolpho Theóphilo!”. Isso se tornou o que a Zélia Gatai chamava de “código
de família”. Sempre que alguém entre nós quer negar alguma coisa de forma
peremptória, agita o indicador e pontifica: “Não senhor! Rodolpho Theóphilo!”.
Reginaldo Vasconcelos
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