domingo, 20 de março de 2016

CRÔNICA - O Governante que o Povo Derrubou no Ceará (WI)

O GOVERNANTE QUE O
POVO DERRUBOU NO CEARÁ
Wilson Ibiapina*

No momento em que o País vive feito barco sem rumo em mar revolto, recebo em casa o livro “Libertação do Ceará”, presente do Embaixador Ronaldo Sardenberg

A obra foi escrita em 1914 pelo baiano Rodolpho Theóphilo e reeditado pela Fundação Waldemar de Alcântara.

O baiano, que chegou ao Ceará menino, virou farmacêutico, inventou a cajuína, participou da Padaria Espiritual e ajudou a fundar a Academia Cearense de Letras, escreve sobre a queda da oligarquia Accioly.

Começa o livro criticando o governo de Bizerril Fontenelle, administrador nulo que deixou dois mil contos de reais nos cofres públicos que, depois, foram dilapidados por Accioly.

O escritor diz que “a arte de governar é muito difícil ao Sr. Bizerril. Faltavam-lhe as boas qualidades essenciais a um bom administrador. Não basta somente ser honesto para dirigir bem os destinos de um povo. São necessários outros predicados que o Sr. Bizerril não tinha. Na terra da seca nunca fez um açude".

O sucessor dele foi outro desastre. Pegou os 2 mil contos de reis e acabou com eles. Antônio Pinto Nogueira Accioly era um homem rude, sem cultura, sem senso prático e ainda era desonesto. O primeiro governo dele, de 1896 a 1900, foi um desastre. Quando governou o Ceará pela segunda vez, Rodolfo Teófilo diz que ele passou dos limites. “O povo exasperado com suas violências, pegou em armas e o obrigou a renunciar”.





LONGO COMENTÁRIO:

Como em todos esses casos, ainda há historiadores que defendem Nogueira Accioly, apontando acertos que ele teria tido na “presidência” do Ceará, e colocando-o como vítima, seja de inimigos políticos, seja de circunstâncias do destino. Nunca vamos saber ao certo até onde foi a culpa, até onde houve injustiça.

Fato é que ele fugiu do seu Estado natal tangido pelo povo, protagonizando um episódio burlesco em que o velho político teria caído acidentalmente no mar, entre vaias, ao descer da “Ponte Metálica” para embarcar no bote que o levaria ao navio ancorado ao largo, e que o transportaria para o Rio de Janeiro, para sempre.

Lá no Rio de Janeiro a família prosperou, havendo hoje ricos empresários cariocas entre os descendentes, frequentando as colunas sociais.

Nogueira Accioly era conterrâneo de minha velha mãe, famílias da Ribeira dos Icós, e a mulher dele, Maria Tereza, filha do Padre e Senador Tomás Pompeu de Sousa Brasil, era nossa parenta distante.

A família soube disso quando minha tia noivou com o jovem juiz Antônio Eduardo Pompeu de Sousa Brasil, e o pai dele foi à casa do futuro consogro, meu avô, a fim de pedir a mão da moça para o filho e demonstrar esses laços familiares do passado. Naquele tempo, o casamento entre parentes era muito desejável, pois ainda não se conheciam os riscos genéticos da endogamia.

Rodolpho Theóphilo, que era farmacêutico e tinha bons conhecimentos de química, tem de fato o mérito de ter elaborado uma bebida de caju, a partir do “mocororó” feito pelos índios, filtrando o suco e fazendo a sua cocção depois de engarrafado, resultando nesse líquido dourado e dulcíssimo chamado “cajuína”, e que os piauienses, que o produzem em larga escala, pensam que são os seus inventores. Ayrtão, meu velho pai, grande apreciador da cajuína e admirador do seu verdadeiro criador, não tolerava ouvir dizer que ela não fosse cearense.

Uma vez, em viagem com meu pai, paramos na estrada para tomar um café e havia na taberna um outro velho que bebia cajuína. Velhos da mesma geração, como meninos, socializam-se rapidamente, e logo os dois encetaram uma conversa.

Meu pai, então, achando-se detentor de um importante dado histórico, perguntou ao interlocutor se este sabia quem inventara a cajuína. “Sei”, respondeu o idoso placidamente. Surpreendido com a ilustração do outro, e um pouco incrédulo de que ele soubesse realmente, o Ayrtão lhe indagou: “Quem foi?”. E a resposta foi imediata: “Minha mãe”.

O Ayrtão, então, fazendo uma cara de escárnio, abanando o dedinho indicador meio curvo ante o nariz do outro velho, redarguiu: “Não senhor! Foi Rodolpho Theóphilo!”.  Isso se tornou o que a Zélia Gatai chamava de “código de família”. Sempre que alguém entre nós quer negar alguma coisa de forma peremptória, agita o indicador e pontifica: “Não senhor! Rodolpho Theóphilo!.

Reginaldo Vasconcelos  
    


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