segunda-feira, 14 de março de 2016

CRÔNICA - Os Cearenses (2ª Parte) - (WI)


OS CEARENSES 
DO OCO DO MUNDO
COM A CORAGEM E A CARA
(Segunda Parte)
Wilson Ibiapina*


São tantos os cearenses que moram fora do Estado natal que, se resolvessem voltar, não caberiam nas cidades.

Bem que tudo podia ter começado como na lenda. A índia Iracema, “a virgem dos lábios de mel” criada por José de Alencar, morre de parto. O filho dela, Moacir, foi levado para Portugal pelo pai, Soares Moreno. Quer dizer: o primeiro cearense foi embora. A diáspora cearense nunca mais parou.

Dizem que as secas periódicas são responsáveis pela migração. Olha que a primeira seca a marcar a nossa História ocorreu em 1606. O destino dos migrantes era o Sudeste. Preferiam São Paulo, onde a possibilidade de emprego era maior. O Porto do Mucuripe facilitou a saída dos que queriam também a aventura de desvendar os outros países. Hoje temos cearenses espalhados pelos quatro cantos do mundo.

Um amigo diplomata conta a história de um casal de catarinenses que foi passar férias nos Estados Unidos. O cara era grande, bonitão, mas a mulher dele, uma loira de olhos verdes, seios fartos que um generoso decote deixava quase à mostra, pernas torneadas, era coisa de fechar farmácia de plantão. Alugaram um carro e partiram em um tour pelo Oeste Americano, só que não acontecia nada. Numa cidadezinha, depois de rodar alguns quilômetros, pararam para jantar. No restaurante perguntaram ao garçom o que havia ali para fazer.

O rapaz disse que a única atração era um grupo que fazia um show numa reserva indígena ali perto. Como a apresentação seria dentro de algumas horas, resolveram conferir. Na reserva, as pessoas, sentadas no chão, aguardavam o show dos índios. Não demorou, eles apareceram pintados, penas na cabeça e começaram a dançar, aquela dança de índio gritando e rodando.

Um deles começa a olhar insistentemente para a exuberante senhora catarinense. O marido ficou incomodado com aquele índio dançando e olhando para a mulher dele. O show termina e lá vem o índio na direção do casal. O índio se aproxima. Antes que o marido reagisse, o índio disse:

– Vocês são brasileiros? Ouvi vocês falando português. Já completamente desarmado pela inesperada intervenção do brasileiro vestido de índio, o marido quis saber que diabos ele tava fazendo ali. 

– Sou cearense. Trabalhava no restaurante até que um dia fui convidado para fazer parte do show. Meu tipo físico parece com o deles e aqui ganho mais do que lavando prato.

O cinegrafista, Hélio Couto, conheceu um cabeça-chata que tomava conta de camelos num deserto árabe.

O jornalista, Toninho Drummond, me acordou certa noite com um telefonema direto da Suíça para dizer que estava num restaurante sendo atendido por um garçom cearense. Até hoje os cearenses saem pelo mundo para estudar, trabalhar, conhecer outros lugares.


Não são só os pobres, analfabetos, que se aventuram.

Em 1888, chegava a Roma o maior maestro cearense, o homem que criou a canção de câmara brasileira. Alberto Nepomuceno nasceu em Fortaleza no dia 6 de julho de 1864. Filho de músico, aos 8 anos aprendeu a tocar piano. Ficou órfão aos 16 anos, por isso teve que trabalhar numa tipografia e dando aulas de piano.

Nepomuceno envolveu-se com o movimento abolicionista em Fortaleza, amigo que era de João Brígido e João Cordeiro. Por causa disso, o governo imperial negou-lhe ajuda para ir estudar na Europa. Teve que fazer uma turnê pelo Nordeste e conseguir o dinheiro para a viagem. Estudou em Roma e em Berlim, onde casou. Fez concertos com músicas de compositores brasileiros em Genebra, Paris e Bruxelas.

Morreu no Rio, em outubro de 1920, aos 56 anos. É considerado um dos mais ousados músicos do País. Defendeu o estudo do folclore como meio de conhecer as nossas raízes e criar nossa própria escola musical. Suas canções eram cantadas em português, o que provocou, à época, severas críticas. Alberto Nepomuceno abriu guerra pela nacionalização da música erudita brasileira. Foi um grande incentivador de Heitor Villa-Lobos, que deu continuidade ao seu trabalho pioneiro.

Lembro outros. O pintor Antônio Bandeira saiu do Ceará em 1945 com Inimá de Paula, Raimundo Feitosa e Aldemir Martins para expor no Rio. Terminou seus dias em Paris, onde exibiu seu abstracionismo. Outros vão a Paris apenas para mostrar sua arte, como é o caso do artista plástico e arquiteto Totonho Laprovitera. Ele expôs na capital francesa 25 obras sobre o universo nordestino. Quem vive na Europa fazendo exposições individuais é Bruno Pedrosa.

Filho de Lavras das Mangabeiras, mora num castelo no norte da Itália, é um dos maiores pintores abstratos brasileiros. É também um dos mais conhecidos fora do Brasil. Foi registrado, no batismo, como Raimundo Pinheiro Pedrosa. Raimundo em homenagem ao avô que o criou. Bruno é o nome religioso que escolheu, em 1975, ao entrar para a Ordem Beneditina, atraído pela vocação do claustro. É primo do violonista Nonato Luiz, outro que é mais conhecido na França do que no Brasil. Fausto Nilo e Raimundo Fagner também passaram longa temporada em Paris, Fagner gravou disco com Mercedez Soza em Madrid.

O jornalista Rangel Cavalcante lembrou-se do jornalista Chico Moura, amigo dele que mora nos Estados Unidos. O cara parece uma máquina, não para.

Chico Moura, cearense de Fortaleza, iniciou-se como jornalista na imprensa baiana, mas foi nos Estados Unidos que ele virou dono de jornal. No final de 1984, criou, na Flórida, o primeiro jornal em inglês sobre o Brasil, O Brazil Review. Em 1985, criou o Florida Review, o primeiro jornal em português da Flórida e o segundo em todos os Estados Unidos. Em 1990, Chico Moura criou também o Tele Brasil, o primeiro programa (em português) de TV do Estado. Em 1992, vendeu o Florida Review (hoje revista), voltou ao Brasil e criou o jornal Rio Times, com a ideia de resgatar a imagem do Rio de Janeiro no exterior.

Em Washington trabalhou na PAHO como dublador (narração de documentários) e na Virgínia criou uma seção em português nas duas mais importantes revistas de Rádio e TV americanas: Radio World e TV Technology. Criou o Brazilian Sun, outro jornal em Miami. Com a venda do Brazilian Sun, foi para Lisboa, onde criou o Luso Brasileiro, o primeiro jornal dedicado aos brasileiros de Portugal. De volta à Miami dirigiu, produziu e apresentou o programa de TV: Chico Moura na Madrugada, na WLRN. Foi tradutor na BVI – para os programas de TV – CBS 48 Hours e 60 Minutes. Escreveu os livros Passagem de Táxi e Tatuagens. Este último rendeu o primeiro lugar no Brazilian Press Award, na categoria Literatura. Recebeu a medalha de Mérito Legislativo da Câmara de Vereadores da cidade de Fortaleza e a chave da cidade de Miami do prefeito Stephen P. Clark.

Chico dirigiu o primeiro escritório do jornal O Globo na Flórida, quando bateu o recorde de venda de publicidade entre todos os jornais estrangeiros do país. O Globo foi também o primeiro jornal brasileiro a ter circulação diária nos Estados Unidos. Logo depois, Chico Moura foi o primeiro representante da Revista Ícaro (revista de bordo da Varig) nos Estados Unidos. Ainda hoje ele carrega sempre na cabeça um projeto pronto para ser executado em qualquer lugar do mundo.

(Continua)



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