O GÊNIO DA GARRAFA
Reginaldo
Vasconcelos*
Faz alguns anos, a
moça loura sertaneja teve um filho doente que o pai rico da capital não queria
alimentar. A pedido de minha filha, que fora professora de teatro da jovem mãe,
eu assumi a sua causa. Hoje o menino já vai grande e saudável, devidamente operado
de sua cardiopatia congênita pelo plano de saúde paterno, beneficiário ainda da
pensão alimentícia que o juiz manda que se lhe credite a cada mês.

Os arautos da
assepsia nos diriam que este laticínio produzido com rigor industrial, que se
vende pelos mais hígidos balcões, e que se louva de “manteiga de garrafa” no rótulo
colorido, seja muito mais recomendável à saúde que aquela nata batida por mãos
caboclas numa casa campesina, a partir do leite in natura de vacas pé-duro que vadiam pelas mangas dos tabuleiros,
isentas da química de vacinas e rações. Mas eu digo que todos aqueles cuidados
higiênicos terminam por desnaturar inteiramente esse untuoso alimento matuto
que os antigos inventaram.
Chego da viagem ao
meio dia e já no café da tarde, logo depois de bater a poeira da estrada,
inauguro o presente gastronômico que me foi dado com tanta modéstia humana, mas
com tanta galhardia cultural. Destampo o vidro e o odor do conteúdo me lança em
inefável experiência sinestésica. E, quando provo o seu gosto agreste, prossigo
naquela gentil cenestesia da memória.


O que se viveu no
passado é valioso patrimônio da memória, ao qual é sempre prazenteiro e salutar
manter acesso. A experiência se acumula, se enriquece, não se dissipa ou se
aniquila. Músicas, perfumes e sabores, são os veículos da lembrança.

*Reginaldo Vasconcelos
Advogado e Jornalista
Titular da Cadeira de nº 20 da ACLJ
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