O GÊNIO DA GARRAFA
Reginaldo
Vasconcelos*
Faz alguns anos, a
moça loura sertaneja teve um filho doente que o pai rico da capital não queria
alimentar. A pedido de minha filha, que fora professora de teatro da jovem mãe,
eu assumi a sua causa. Hoje o menino já vai grande e saudável, devidamente operado
de sua cardiopatia congênita pelo plano de saúde paterno, beneficiário ainda da
pensão alimentícia que o juiz manda que se lhe credite a cada mês.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiE79MAocSqXJimZwJU8bHMljnTtgqG4-62DRo2o6b-lLgqzp9KLcCWmFvf2SwbaSrlhF9GUwCqjBQAzoKUdBf32NXMf19fY3yExPPX4iAQPUb9k0e7TMMuJkgvbKZecsR3hIwvV-NEo68/s1600/manteiga+I.jpg)
Os arautos da
assepsia nos diriam que este laticínio produzido com rigor industrial, que se
vende pelos mais hígidos balcões, e que se louva de “manteiga de garrafa” no rótulo
colorido, seja muito mais recomendável à saúde que aquela nata batida por mãos
caboclas numa casa campesina, a partir do leite in natura de vacas pé-duro que vadiam pelas mangas dos tabuleiros,
isentas da química de vacinas e rações. Mas eu digo que todos aqueles cuidados
higiênicos terminam por desnaturar inteiramente esse untuoso alimento matuto
que os antigos inventaram.
Chego da viagem ao
meio dia e já no café da tarde, logo depois de bater a poeira da estrada,
inauguro o presente gastronômico que me foi dado com tanta modéstia humana, mas
com tanta galhardia cultural. Destampo o vidro e o odor do conteúdo me lança em
inefável experiência sinestésica. E, quando provo o seu gosto agreste, prossigo
naquela gentil cenestesia da memória.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhFsqVvaWnzSGKCm5SP7Lg78rQ1HqbpnLNeGISMbxm7b5DiMH_AUmNk5Zu3CjbPqlWc15JLCe6bk3EludoDlFf6pxmPOBs9XGbIfEDboF7F2JM46HybUGHFSdYnYOg3ktgxoM-SAg1_BJk/s1600/manteiga+v.png)
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjuYNCebaFocRqFWrooP7VNCU9redsRGkM1CD_nKtOoVrjtKob2hoQoV6K1hy0udvxDhxOIvB00sAsywkdXDUokVbcSbhK2hJS6IiC3E3V1eZYfIS1vFaAwZKvKLlMa7ipMhRKlKetXAiQ/s1600/manteiga+vii.png)
O que se viveu no
passado é valioso patrimônio da memória, ao qual é sempre prazenteiro e salutar
manter acesso. A experiência se acumula, se enriquece, não se dissipa ou se
aniquila. Músicas, perfumes e sabores, são os veículos da lembrança.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjY_JJ_NQNj8viwdzfLdnxsYcs3OuVp5i6o5vNi-Loi2rfE0rq5CUNWerjA776nG5TvDyCjHr4hwAaLKCAs1yApxUd0TF5nRm_hpqHi6mw48Wk94xirmCGq0d2nYTi7cNGyp53kN0eHsyM/s1600/manteiga+III.png)
*Reginaldo Vasconcelos
Advogado e Jornalista
Titular da Cadeira de nº 20 da ACLJ
Nenhum comentário:
Postar um comentário