domingo, 2 de março de 2014

ARTIGO

O MENSALÃO E OS
SEGREDOS DE POLICHINELO*
DA REPÚBLICA


*Segredo de polichinelo é algo que todos sentem, alguns percebem mas fecham os olhos, muitos comentam à boca miúda, mas ninguém admite saber, abertamente. 



De fato, no episódio “mensalão”, não houve a clássica formação de quadrilha, levada a cabo por bandidos, para o enriquecimento pessoal – a par da discussão técnica sobre a subsunção ou não dos fatos à tipicidade da conduta, conforme prevista pelo Código Penal.

No caso, o que houve realmente foi uma trama mafiosa para a manutenção de um partido político no poder, a custa de dinheiro público. Trata-se de um crime de lesa-pátria, um delito imensamente mais grave, e para o qual, historicamente, sempre se prescreveram penas  terríveis: o desterro, a masmorra, o linchamento, a forca, a guilhotina, o paredão.  

Acontece que a democracia é uma farsa, assim como a república também, ambas concebidas pelos gregos. Como nos regimes totalitários, em última análise, a justiça social depende unicamente da sorte de cada indivíduo no determinismo da existência. Os injustiçados pelo destino, em qualquer regime, sofrerão.

A democracia e a república se caracterizam pelo exercício do poder exclusivamente a cargo de legítimos representantes do povo, eleitos pelo povo, fazendo supor que isso garanta justiça e equidade.

Dito assim, logo se imagina que qualquer um poderia ser eleito realmente, e que cada um votaria no concidadão de maior mérito, de grande estatura moral e capacidade técnica para administrar o bem comum, com espírito público e absolutamente focado no interesse coletivo. Mas, obviamente, não é isso que acontece.

Cada mandato eletivo é obtido mediante investimento financeiro, sempre fundado em conluio de interesses, visando poder e lucro. Cada voto é obtido por meio de caríssima propaganda eleitoral, construindo falsas biografias e prometendo a cada votante muitas benesses pessoais. Destarte, uma forma dissimulada de totalitarismo se institui, na dicotomia entre as novas elites que se formam e seus tributários naturais.

Cada pessoa, um voto – isso é um postulado da república. Mas, apenas uma pequena porcentagem dos eleitores vota de forma lúcida e consciente, porque apenas uma pequena porcentagem do povo é de fato independente e esclarecida.

Então, a cada eleição, uma imensa avalanche de sufrágios anódinos e torpes esmaga o espírito crítico dos que votam com conhecimento de causa e isenção. Isso porque a grande maioria dos que votam o faz iludida pela mídia, enquanto outra parte vota por interesses escusos, corrompida por ambições corporativas.

Grupos mais pobres e menos cultos, muito numerosos, se deixam conduzir pela esperança de ascender socialmente, e elegem mentirosos e cretinos, que ao conquistarem posições de mando se encastelam no poder, e, para manterem os próprios privilégios, dispensam migalhas do erário aos eleitores, na forma de favores sociais.

Antigamente, no tempo do clientelismo, os poderosos mandavam os grupos de sua influência votar em quem eles indicavam; hoje, os mesmos donos do dinheiro iludem os mesmos incautos com a rica e massiva propaganda eletrônica, vendendo a ilusão de que estes poderão mudar de sorte e poderão se vingar do seu mau destino social.

Na democracia, o voto do mendigo tem o mesmo valor absoluto do voto do magnata, mas aquele jamais chegará ao parlamento, muito menos ao poder executivo, ainda que queira, porque não poderá custear uma campanha eleitoral. Então, o valor relativo de cada cidadão, e de cada voto, na prática, é bem diverso.

Do mesmo modo, na república, os numerosos votos dos analfabetos e apedeutas têm peso igual ao de mestres e doutores, mas aqueles sequer entendem sua própria condição, enquanto estes leram os filósofos, conhecem a História, e dominam todo o fenômeno antropológico.

Isso demonstra por que, “para mal dos nossos pecados”, os votos dos ministros do Supremo Tribunal Federal contam igualmente nos seus julgamentos, mas, perante as lentes da ética e no distanciamento histórico, um se diferencia do outro como o latão e a prata, destacando-se mesmo como uma pepita de ouro de um pedaço de carvão.        
  
Há raros casos na república em que alguém se torna notório por acaso, sem grandes recursos e sem mérito pessoal genuíno, sendo então imediatamente cooptado por grupos poderosos e partidos políticos para vencerem eleições, tornando-se assim “pontas de lanças” de seus inconfessáveis interesses.

De novo temos aqui os velhos conchavos, para conduzir a massa ignara. Ninguém de fato se sacrifica pelo povo, em nenhum regime político e qualquer forma de governo. Todos iludem e exploram as massas para se locupletarem do poder, tratando a plebe rude de forma mais cruel ou mais gentil.

Dizia o cronista Ruben Braga que no capitalismo se tem a exploração do homem pelo homem, e que no comunismo ocorre exatamente o contrário. Ou seja, as soluções ideológicas são faces da mesma moeda, como a cara e a coroa, diferentes configurações com o mesmo resultado.

Nas monarquias, o poder político conquistado no passado por velhas glórias militares de uma família se torna hereditário. Reis, imperadores, xás e soberanos em geral detêm privilégios enormes, muitas vezes pagos afinal com a sua deposição e o seu trucidamento, nas revoluções e nos levantes políticos, conforme registra a História Universal.   

No sistema republicano os presidentes, sejam democratas sejam déspotas, não passam regularmente de pai para filho o seu mandato. Mas, assim como os monarcas, adquirem poder absoluto, lutam para se manterem no “trono”, promovem a própria família, agigantam o patrimônio – com raríssimas e honrosas exceções.
 
O fato é que a sociedade, em qualquer regime político e sistema de governo, não se livra do egocentrismo de seus integrantes, e as pessoas não conseguem renegar os verbos que defluem de seus instintos naturais: competir, vencer, sobressair, acumular, mandar, adquirir.

A política é um vício, e, como tal, o seu gozo não vale a pena realmente. No império e na república, não raramente, os seus dignitários cometem excessos e terminam desmoralizados, depostos ou mortos por seus opositores. O poder político é sempre um pomposo passeio sobre o fio da navalha, porque o povo é sempre cruel e vingativo.

Na dita maior democracia do Planeta vários presidentes foram mortos no poder. No Brasil se depôs Pedro II, suicidaram Getúlio Vargas e se defenestrou Collor de Mello, com grande desonra. Suspeita-se tenham sido assassinados, em tenebrosas tramas, João Goulart, Juscelino Kubitschek e Castelo Branco, enquanto os demais presidentes militares são satanizados pelo povo. O poder político seduz, mas não vale a pena realmente.


*Reginaldo Vasconcelos
Advogado e Jornalista
Titular da Cadeira de nº 20 da ACLJ

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