“ADMIRÁVEL GADO NOVO”
Por
Paulo Maria de Aragão*
A sociedade
escravagista, então transformada em símbolo da crueldade, ainda se enraíza no
Brasil, onde grandes proprietários de terras submetem homens e mulheres a
trabalhos forçados em fazendas, com a quase certeza da impunidade, em
particular nas áreas de difícil acesso na Amazônia.
Outra gangrena
que dizima a maior região territorial do Brasil são as atividades econômicas
que favorecem os proxenetas, exploradores de prostíbulos que fazem comércio
envolvendo mulheres, crianças e adolescentes. Tal escravidão também é fomentada
por dívidas, drogas, abrangendo uma intrincada cadeia: peões, prostitutas,
fazendeiros (patrões), gatos e pistoleiros, todos dependentes entre si.
Nesse círculo de nojeira, por inanição do Estado, a espécie humana
decompõe-se, avezada ao refrão “Admirável Gado Novo”, de Zé Ramalho: “Eh, ô, ô,
vida de gado/ Povo marcado/ Eh, povo feliz!”.
E as vítimas de exploração já não se sentem mais exploradas; sentem-se
agradecidas ao patrão pelo que faz por elas e por suas famílias, fazendo
lembrar épocas egípcias: "Você nos salvou a vida! O patrão gostou de nós!
Nós seremos seus escravos!" (Gn 47, 25).
Por sua vez, os que não trabalham vivem à cata de bolsas do governo, pois
é melhor do que receber produzindo. O efeito é indesejado, mas o povo rude
manifesta gratidão e espera o momento eleitoral para retribuí-la com o voto, a
“santa” oferta. Assim, deem-se vivas ao ócio, ao analfabetismo, à violência e
ao estado de direito, sobremodo aos currais eleitorais, destino das “cabeças”
votantes, para serem aboiadas no dia das eleições.
Dissipa-se a cidadania
corrompida por muitos que chafurdam o erário e por negociadores de votos. Caem
as máscaras, porém os atores são os mesmos por trazer em si o DNA da
desfaçatez. Nesse incessante turbilhão de ardilezas, os “escravos modernos”
votarão “livremente” como cidadãos nas
eleições, para eleger seus “legítimos” representantes. Quem ousará
duvidar? Desse modo, nulidades serão novamente conduzidas a cargos
representativos, em prejuízo daqueles que dignamente poderiam exercê-los.
Depois não adianta chorar sobre o leite derramado.
*Paulo Maria de
Aragão
Advogado e Professor
Membro do
Conselho Estadual da OAB-CE
Titular da Cadeira de Nº 37 da ACLJ
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