UM POR TODOS, TODOS
POR UM
Reginaldo Vasconcelos*
O carnaval nasceu como
uma festa grega pagã dedicada à fertilidade da terra, sendo depois encampada pela
igreja católica, lá pelo século XI, colocado no termo dos quarenta dias
de jejum, a quaresma, que preparavam para a Páscoa.
Na idade média
europeia, entrando pelo período colonial brasileiro, os folguedos carnavalescos
se resumiam ao “entrudo”, caracterizado pela batalha amistosa de líquidos e de
pós, manifestação que sobrevive até hoje, em determinados locais do Brasil – o
chamado “mela-mela”.
No Século XIX Paris
exportou para o mundo todo o carnaval romântico, simbolizado pelo triângulo
amoroso entre Pierrô, Arlequim e Colombina, personagens da Comédia dellArte
italiana que se constituíram nas primeiras e mais clássicas fantasias.
São dessa época os pomposos
bailes de máscaras, o uso de confete e serpentina, o corso de veículos pelas
ruas das cidades, e as músicas tratando de amores difíceis ou efêmeros que se
tornam mais possíveis pelas licenciosidades momescas, e muitas vezes se frustram
na quarta-feira de cinzas.
Todos esses
componentes ainda podem ser identificados nos carnavais brasileiros dos anos 60
do Século XX, que muitos dos contemporâneos conhecemos, como se verificam em
letras de músicas carnavalescas da época: “Vou
beijar-te agora, não me leve a mal, hoje é carnaval”.
Esse tipo de
composição convivia com as marchinhas burlescas lançadas a cada ano, muitas
delas fazendo críticas bem humoradas a situações e personalidades públicas de então,
inclusive satirizando novos costumes e ironizando minorias sociais: os negros,
os calvos, os homossexuais...
A esse carnaval romântico do começo do Século
XX acrescentaram-se ainda os batuques africanos, que deram origem às escolas de
samba e aos maracatus, e o uso do lança-perfume, que visava aromatizar os
ambientes das folias, até que foi proibido, pelo o seu uso degenerado e
perigoso como alucinógeno inalável.
O carnaval brasileiro
atualmente se divide nos desfiles milionários e apoteóticos das ditas “escolas
de samba”, notadamente no Rio de Janeiro e em São Paulo; nos cortejos de blocos
e cordões de rua e em concentrações nas praças e praias das cidades, ao som de
bandas que tocam frevos, marchinhas e paródias, o que se verifica principalmente
em Pernambuco; e nos palcos ambulantes sobre caminhões sonoros, os chamados “trios
elétricos”, mais comuns em Salvador, priorizando a dita “axé-music”.
Esses tipos de carnaval,
cada um prevalecendo em específica região do País, no entanto cada um se
dissemina também por todo o território nacional, geralmente subvencionado por
verbas municipais advindas das secretarias de cultura ou turismo das cidades, o
que facilitou a vida dos carnavalescos, mas os tornou muito dependentes da
Administração Pública e da política.
Em Fortaleza, o
folclorista Dilson Pinheiro, titular da ACLJ, luta há sete anos para preservar
o carnaval romântico dos anos 60, promovendo festas nos sábados que antecedem o
tríduo momesco, e nas quatro noites de momo, defronte ao Bar da Mocinha,
na Praia de Iracema, reunindo um grupo numeroso de foliões mais saudosistas.
Neste carnaval de 2014,
por acaso, Dilson conseguiu mais um item característico da espontaneidade dos
velhos carnavais, que sempre foram promovidos e custeados pelo povo – não através
do erário público, mas do bolso dos próprios
brincantes, que se cotizavam para decorar os clubes, confeccionar os estandartes
e pagar às bandas de músicas necessárias.
Desta vez a Prefeitura
de Fortaleza, de última hora, comunicou que sonegaria a verba prometida para a
promoção da festa do Bar da Mocinha. Porém, os seus tradicionais frequentadores compareceram em
massa, todas as noites do carnaval, e participaram de uma cota livre para
custear o cachê dos músicos. Foi mais uma heroica vitória do nosso confrade
Dilson Pinheiro, que consagrou o lema do mosqueteiro de que se costuma fantasiar: "um por todos, todos por um".
*Reginaldo
Vasconcelos
Advogado
e Jornalista
Titular
da Cadeira de nº 20 da ACLJ
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