segunda-feira, 15 de outubro de 2012

ENSAIO



MENSALÃO - ENTENDENDO A CONDENAÇÃO DOS DOIS JOSÉS

No processo do mensalão, o petista cearense José Genuíno Neto é menos culpado de fato, porém mais culpado de direito que o ex-ministro José Dirceu.

A explicação é simples: Genuíno não concebeu e arquitetou o plano criminoso, nem coordenou a sua execução, como tudo indica ter feito o outro José. Tampouco manipulou pessoalmente as verbas utilizadas nas propinas. 


No entanto, era o presidente oficial do partido, em nome do qual o tesoureiro oficial operava o esquema, o que o compromete como autor intelectual, segundo a “teoria do domínio do fato”.

Ademais, ele assinou documentos que simulavam operações financeiras lícitas, mas que serviam apenas à lavagem de dinheiro.

Quanto a José Dirceu, a controvérsia sobre a sua condenação gira em torno da tosca lição jurídica do ministro Dias Toffoli – que se fosse juiz de fato se teria declarado suspeito para julgar seus ex-clientes, seus ex-chefes, seus amigos íntimos do PT.

Em uma das sessões de julgamento Toffoli se travestiu de advogado dos réus e saiu-se com o “brilhante” raciocínio segundo o qual a acusação é quem tem que fazer a prova. A defesa não tem que provar sua versão ”.

Com essa pérola, Toffoli produziu um sofisma perfeito, ao sustentar uma tese falsa, utilizando um argumento correto. De fato, a acusação tem que produzir provas, enquanto a defesa não tem nenhuma obrigação de provar nada. 

Pelo contrário, produzir provas em seu favor é um direito da defesa, e não um dever.  Em não exercendo esse direito, ou não o fazendo satisfatoriamente, faz prevalecer a acusação.

Vale notar que a máxima jurídica original, que Toffoli quis manipular para iludir os circunstantes, não fala em acusação, nem em defesa, senão vejamos: “O ônus da prova cabe a quem alega”.

Ora, quem alega que alguém é culpado, deve provar o alegado. Do mesmo modo, quem alega que é inocente cumpre provar sua inocência – e para tanto a lei lhe garante amplo direito de defesa. Pronto. A regra jurídica resta incólume.

O Ministério Público Federal alega que José Dirceu era o líder da quadrilha que operava o mensalão, apresentando uma cadeia de indícios lógicos, que vão compor robustas evidências. Diz ao final que provas documentais e testemunhas isentas são  impossíveis de se obter em delitos desse tipo.

Cabia, pois, à defesa de José Dirceu desconstituir as evidências e indícios contra ele apresentados, já que estes costumam ser tão débeis e frágeis. Em vez disso, a defesa se limitou a cobrar à acusação provas concretas. Por mais frágeis e débeis, provas não refutadas tomam foro de verdade.

Por acaso, existe algum documento oficial assinado pelo Ministro Dirceu desautorizando alguma operação suspeita? Não existe. Há algum bilhete pessoal do petista Dirceu prevenindo o Presidente da República sobre alguma manobra estranha do seu partido? Não há. Tem algum artigo publicado por Dirceu repudiando interferências do partido nos negócios do Governo? Não tem.

Resultado: a acusação cumpriu o seu múnus de provar as alegações, mesmo sem elementos concretos, enquanto a defesa não aproveitou bem o seu direito de defesa, já que não apresentou contraprova nenhuma. Por essa razão José Dirceu foi condenado. Simples assim.


Querer agora criticar o Supremo Tribunal Federal, ou lhe dar lições jurídicas, é ocioso e inócuo, porque, como se diz, acima dele só existe o firmamento. O que a maioria dos Ministros decide é irretocável, de modo que, na eventualidade de não ser considerada justa uma decisão sua, somente a Deus cabe apelar.

Também não vigora repristinar os alegados méritos antigos de quem já esteja condenado, pois o currículo pessoal dos réus só tem peso para aliviar suspeitas, na fase investigatória – não para elidir penalidades cominadas. 

Mesmo o Papa, por exemplo, se acusado de crime, em princípio terá a seu favor a dúvida da culpa, por se tratar do Santo Padre. Mas, uma vez confirmada a autoria do crime, o que ele seja ou tenha feito de bom no passado não o poderá inocentar.  Quem sabe, mais ainda o incrimine.  

Por Reginaldo Vasconcelos

Nenhum comentário:

Postar um comentário