FIOCRUZ
SEGUNDA ONDA
DA COVID NO CEARÁ?
Arnaldo Santos*
Superados os primeiros cinco
meses da pandemia, as ações da comunidade médico-científica brasileira, as
atenções dos economistas - cuja atuação, no momento, objetiva planejar a reabertura
da economia – bem como dos prefeitos e governadores, têm como meta definir uma estratégia
que seja eficiente no enfrentamento de uma eventual segunda onda da Covid.
Boletim da Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz)
publicado na última quinta feira (23/07), informa que os estados do Maranhão, Amapá,
Rio de Janeiro, e Ceará, já podem estar iniciando uma segunda onda; o comunicada
se referência no significativo aumento do número de internações ocorridas nas
últimas semanas, pela Síndrome Respiratória Aguda Grave – (SRAG), nesses
Estados.
Diante desse novo cenário e
da pressão dos setores econômicos pela reabertura, certamente o governador
Camilo Santana e o prefeito Roberto Cláudio, já estão atentos para o risco de
serem obrigados a fechar tudo novamente, com agudo influxo na economia, se não
adotarem critérios ainda mais rígidos e seletivos a partir de agora.
Apesar da abnegada atuação dos
médicos, cientistas e pesquisadores epidemiologistas e demais profissionais da
saúde, somadas as diligentes ações da maioria dos governos em cada Estado, como
se verifica no Ceará, os resultados político-sociais, econômicos e de saúde, na
primeira fase da pandemia, são devastadores.
Os últimos números da
Covid-19 mostram que ultrapassamos os dois milhões e meio de infectados, contabilizando
quase 85 mil mortos, e continuam crescendo
em todo País, (no Ceará já são mais de 151 mil infectados, e quase 7,5 mil
mortos). Para atenuar as tensões, o relatório da Organização Mundial da Saúde, do
início deste mês, afirma que, no Brasil, o índice de infecção pelo coronavírus pode
ter chegado ao estágio que a OMS define como platô - quer dizer: a doença estabilizou.
O desafio que se impõe ao
País, desde agora, será manter a estabilização e, se possível, a redução da
doença, evitar a segunda onda, combinada com a reabertura da economia, ante o comportamento
nem um pouco recomendável da população, que teima em não respeitar as normas de
não aglomeração, isolamento social e uso de máscara; simples gestos de
cidadania, especialmente enquanto estivermos sob a pandemia.
Sociologicamente, esse
comportamento de não respeitar as normas sanitárias, por um número cada vez
maior de pessoas, inclusive por autoridades, revela que, além de contaminada
pela Covid, a sociedade está adoecida do complexo de “vira-lata”, não no
sentido de inferioridade que a elite branca brasileira, dos tempos coloniais, forjou,
e nos deixou inoculado como herança, mas no senso narcísico, em que alguns do “andar
de cima”, se exibem, fazendo-se superiores, credores de direitos, e sem nem um
dever para com a cidadania coletiva.
Na dimensão de um pretenso
poder pessoal que imaginam ter, alguns poucos tentam fazer recrudescer o
desprezível “[…] você sabe com quem está falando”; como na cena mostrada pela
televisão, na qual o guarda municipal Cícero Hilário Rosa, da cidade de Santos,
dignamente arrostou o desembargador Eduardo Siqueira, do Tribunal de Justiça de
São Paulo, quando esse tentou detratá-lo e humilhá-lo, ao ser multado por não
usar máscara em uma praia santista. Sem esforço, e com o devido respeito aos cães,
não é difícil identificar o “vira-lata” nesse episódio!
É nessa realidade de descumprimento
das normas sanitárias que cada vez mais o fantasma da segunda onda põe de
sobreaviso as autoridades sanitárias brasileiras, os governadores e prefeitos, por
terem a consciência de que a ameaça de segunda emergência é real, e poderá ter
consequências ainda mais gravosas para a saúde da população, pelo número de
mortes que poderá causar.
Grande parte dos estudos
científicos internacionais que trata do tema confirma as evidências de uma
segunda onda, algo que os epidemiologistas brasileiros vêm alertando; somente
está alheia a essa realidade, por se julgar infensa a tudo, a parcela da
população que continua nas ruas, praias e bares, ignorando os protocolos
sanitários, assim como o próprio Presidente da República, que adotou um
comportamento errático perante a Covid, e, a julgar pela atitude incivil que
continua ter, a eventual segunda onda não deve estar a lhe preocupar.
Os que por arrogância ou
negacionismo ignoram os riscos de uma segunda emergência da Covid, no Brasil, precisam
se conscientizar de que não se trata de “achismo”, mas de estudos realizados por
epidemiologistas; devem, ainda, atentar para o comunicado da OMS, que, inclusive,
critica a reabertura da economia, nessa fase da doença, e acompanhar o noticiário
da imprensa brasileira. O Chefe do Centro
da Covid, de São Paulo, e 90% dos médicos ouvidos, em todos os estados, afirmam,
por exemplo, que são reais e altas as possibilidades de outra onda no País.
O que vem a ser, então, essa
segunda onda, da qual tanto se fala, e pouco se explica, para que as pessoas saibam
o que significa, quais são suas características e como se configura? O Dr. Mike
Tildesley, da Universidade de Warwick, a define como sendo “[…] um ciclo onde o
número de infecções aumenta e diminui novamente – cada ciclo é uma onda de
coronavírus”.
Nessa perspectiva, para se determinar
o fim de uma onda, é necessário que o vírus seja controlado, e se verifique uma
diminuição substancial dos índices de infecção e mortes, enquanto que, para a
segunda onda se configurar, se faz igualmente imprescindível que se verifique
um efetivo e significativo aumento sustentado de infecções.
Essa descrição de como se caracteriza
o fim e/ou o surgimento de uma nova onda, combinada com a reabertura da
economia, e o inevitável afrouxamento das medidas de isolamento social, somados
à inobservância dos protocolos sanitários, como temos observado, evidenciam que
estão criadas as condições para eclodir a segunda onda.
A propósito, os historiadores
que estudam as pandemias no mundo são unânimes em afirmar que numa sequente
onda, o grau de letalidade é ainda maior do que o da na primeira; e citam como
exemplo o que ocorreu no período da gripe espanhola, no primeiro quartel do Século
XX, como relatado nos registros da pesquisadora Christiane Maria Cruz: “[…] a
gripe espanhola se espalhou em três ondas de contágio, entre março de 1918, e
maio de 1919, entre todas elas, a mais grave foi a segunda, iniciada em agosto
de 1918, causando a morte de milhões de pessoas”.
Ressalte-se que a discussão
desse tema não é um mero exercício especulativo, como muitos querem crer, e por
isso negligenciam os protocolos de saúde exigidos pelas autoridades sanitárias;
muito pelo contrário, a possível segunda onda da Covid situa-se no centro dos
debates do controle da pandemia, em escala global, procedendo-se com base no
que ora ocorre em vários países.
Quando se examina o aumento
no número de pessoas infectadas que está se verificando nos EUA, bem como na Austrália,
que até então vinha sendo referência no controle do coronavírus, mas que voltou
a ter um significativo aumento no nível de infecção, fica evidenciado que foi consequência
do afrouxamento dos protocolos sanitários, depois da reabertura das suas
economias.
O mesmo foi constatado em
Israel, e também no Irã, onde, no início, adotaram rígidos protocolos de isolamento
social, resultando em um efetivo controle dos índices de infecção pelo vírus, mas,
com a reabertura das atividades econômicas e o relaxamento das medidas, estão enfrentando
um grave retrocesso, como vem sendo noticiado pela mídia internacional. O que
está se verificando nesses países deve ser observado pelo Brasil, para não
incorrer nos mesmos erros.
Outros estudos epidemiológicos
publicados pelas mais respeitadas revistas científicas internacionais, como a Science,
demonstram que a chamada imunidade de rebanho, aquela que a população adquire através das pessoas que já foram
infectadas pelo vírus, não será suficientemente capaz de evitar uma segunda
emergência; e o problema pode ser ainda mais agravado pela incerteza que paira, quanto ao
fato de também não haver comprovação cientifica de que as pessoas, uma vez
infectadas, estariam livres de uma reinfecção,
gerando um processo realimentador no grau e na extensão da infectividade, agravando
ainda mais a saúde e a economia.
Nesse contexto, analisando as
repercussões da primeira onda da pandemia, em uma perspectiva econômica, pesquisa
realizada pelo IBGE confirma que, até junho, mais de 700 mil empresas encerraram
atividades, impactando perversamente na vida dos trabalhadores, pois os dados evidenciam
que um contingente de mais 7,8 milhões de pessoas perdeu empregos nesse período,
em todo o Brasil, e esses números continuam crescendo, com gravame ainda maior
na economia; e, no curto prazo, não se vislumbra uma atuação eficiente do Governo
Federal para atenuar os reflexos dessa crise. No caso de segunda onda, será impossível
prever o modo como ocorrerá.
Para depois de tudo, Fernando Sabino nos ensina “[…] De tudo ficaram três coisas: A certeza de que estamos sempre a começar... A certeza de que é preciso continuar... A certeza de que podemos ser interrompidos antes de terminar. Por isso devemos: Fazer da interrupção um caminho novo... Da queda, um passo de dança... Do medo, uma escada... Do sonho, uma ponte... Da procura, um encontro”.
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