O PRESIDENTE,
A MÁSCARA E A
COVID
Arnaldo Santos*
Na semana que passou o
vírus transmissor da “gripezinha” fez uma visita inesperada ao Palácio do
Planalto: pegou seu ocupante desprevenido, sem estar usando máscara, como de
hábito, e o contaminou!
Para a comunidade
médico-científica em todo o mundo, até que se descubra uma vacina, o uso de máscaras
ainda é, e continuará sendo, o mais eficaz meio para se prevenir e evitar a
transmissão da Covid-19, de uma pessoa para outra, e salvar milhões de vidas, pois
impede a passagem das gotículas infectadas pelo coronavírus, que saem da boca.
A Organização Mundial da
Saúde – OMS divulgou, há pouco, uma carta assinada por cerca de 200 cientistas
em todo o mundo, confirmando a contaminação pela Covid-19 através do ar, o que
torna o uso de máscara ainda mais necessário, respeitando o princípio da
precaução que todos, sem exceção, devemos obedecer.
Como é cediço, a obrigatoriedade
do uso de máscaras em locais públicos e privados, abertos e/ou fechados, consta
de todos os protocolos sanitários da OMS, dos governos de todas as nações – inclusive
pelas autoridades sanitárias do Brasil, menos pelo Governo Federal, que há mais
de sessenta dias, sequer nomeou, ainda, o Ministro da Saúde.
Perante tais evidências, cabe
perguntar: Por que o Presidente Jair Bolsonaro é contra o uso de máscaras, se
está provado que pode salvar milhões de vidas? Ele mesmo poderia ter evitado se
infectar, não fora o mau exemplo de não respeitar os protocolos sanitários
recomendados. Será superstição, medo ou narcisismo?
Como se sabe, “[…] os
narcisistas são arrogantes e prepotentes, mas não por acaso. Acreditam-se únicos,
especiais, donos e senhores de uma existência maravilhosa que está muito longe da
que os demais poderiam sequer imaginar”. Eles possuem a mesma capacidade de ouvir
que têm as pedras – assim como alcança José Elias Fernández, membro do Colégio
de Psicólogos de Madrid.
Para tentar entender por
que há essa rejeição, e/ou medo que o Presidente demonstra quanto ao uso
da máscara, fomos buscar na história a origem e o seu significado, para ver se
existe alguma explicação.
“[…] A máscara tem origem no Antigo Egito,
cerca de (664-535 a.C”). Enquanto “[…] na China as máscaras eram usadas para
afastar os maus espíritos, no Egito Antigo e na Grécia, elas eram colocadas
sobre o rosto dos falecidos na crença da passagem para a vida eterna”.
Pela origem e seu significado, aqui pode
estar uma das explicações: o Presidente, um ex-capitão do Exército, com passado
de atleta (não resistiu à ‘gripezinha’), de estilo tosco, machão e machista, parece
ter medo de alma.
Numa perspectiva político-cidadã,
o não uso da máscara é a reafirmação da desobediência ao princípio da precaução
para com a saúde coletiva; e essa constitui a posição de centenas de milhares de
pessoas, nesse início de reabertura de alguns setores da economia, notadamente naquelas
atividades de convivência e maior interação social, como bares e restaurantes, que
movimentam a vida noturna, nas grandes cidades. Identifica-se nessa atitude, a
nefasta influência do comportamento adotado pelo Presidente, ignorando os protocolos
sanitários de prevenção à pandemia, em flagrante incentivo à desobediência
civil.
As pessoas precisam entender
que o vírus está, e vai permanecer entre nós por longo período, o que vai nos
impor uma cultura de convivência com a doença, para se evitar uma segunda onda,
com números de infectados e mortos superiores aos que se tem hoje, provocando um
retrocesso no processo de reabertura econômica, especialmente durante a quarta
fase, em que os riscos de contaminação, serão ainda maiores. O momento exige bom-senso
para se encontrar o equilíbrio entre a retomada da economia e a proteção da
vida.
Analisando, sociologicamente,
a movimentação e o comportamento coletivo nessa fase, a regra é a inobservância
dos protocolos sanitários, por parte de alguns estratos, com ênfase para aquelas
pessoas de maior poder econômico – e nível de “educação” – em adição a um elevado
grau de incivilidade para com os agentes públicos, que, no nobre cumprimento do
dever de proteger a saúde coletiva, ao tentarem fazer observar o que é exigido
pelo poder público, estabelecido nos decretos que normatizam a reabertura da
economia, estes são humilhados, quando não agredidos fisicamente.
Está gravado na memória de
todos o flagrante atentado à honra e dignidade da pessoa, além da ausência de qualquer
fragmento de um padrão civilizatório, sofrido por um desses agentes, da parte
de uma “cidadã”, com aquela famosa frase – “[…] cidadão não, engenheiro civil
formado”; “nós é que pagamos você”, seu..” – mostrado pela televisão (até então
não se sabia que engenheiro não era
cidadão). A frase pronunciada consubstancia o sentido de uma outra não menos conhecida,
desprezível e arrogante que é – “[…] você sabe com quem está falando”?
O recorrente não uso de
máscaras, por significativa parcela da população em geral, com relevo para os séquitos
pertencentes “ao andar de cima”, e a inconsequente atitude de centenas de milhares
de pessoas, que teimam em se aglomerar nas calçadas, praças e praias, contrariando
as recomendações sanitárias, como vem ocorrendo em todo o País.
Tudo isso é emblemáticos do
comportamento de uma sociedade adoecida, culturalmente analfabeta e politicamente
ignorante, revelando, a um só tempo, incivilidade, narcisismo e menosprezo pela
própria vida e pela vida do outro. São comportamentos não toleráveis em uma coletividade
pretensamente moderna.
Em face dessa insensatez e
vergonha, os governos devem adotar um padrão de análises com base nas ciências
sociais, para observar e criar meios de ação que possam corrigir esse
comportamento errático de expressivas parcelas da população, com foco nas
movimentações que se dão no interior dos vários grupos, das distintas camadas sociais,
objetivando fomentar o desenvolvimento de uma nova cultura comportamental ante a
pandemia, que vai muito além dos atos coercitivos impostos pelos decretos que
balizam a nova realidade em elaboração.
Para conformar essa
pretendida realidade impõe-se a adoção de padrões de abordagens analíticas, consoante
às novas configurações exigidas para os diversos setores de atividades, tanto
profissionais, quanto político-sociais, dado que já se percebe uma tendência de
influências ainda mais gravosas, tanto na saúde quanto no aspecto econômico-financeiro,
de teor individual e coletivo, com danosos rebatimentos no aumento da pobreza e
das desigualdades, se não houver um amplo e urgente reposicionamento comportamental
no interior das várias redes, que incorpore uma rígida e efetiva observância
das normas sanitárias, impondo novos hábitos, inclusive relacionais, para evitar outra emergência.
“[…] Embora as redes sejam
uma antiga forma de organização na experiência humana”, na contemporaneidade
Manuel Castells nos apresenta um novo tipo de organização, que chamou de “[…]
sociedade em rede”. O que difere a experiência antiga do formato atual são as suas
estruturas, fundadas na comunicação interativa e em tempo real (o que não é pouco),
trazidas pelas novas tecnologias digitais, que, para o bem e para o mal, promoveram
uma revolução, na forma, nos conteúdos e na velocidade multiplicadora da
informação, inimagináveis até para esses tempos.
É de aceitação geral o fato
de que as novas tecnologias da informação constituem meios imprescindíveis para
conectar pessoas e nações, primordialmente para a comunidade medico-científica comunicar
os avanços da ciência, por meio dos ensaios e testes clínicos, a fim de
desenvolver uma vacina e/ou medicamentos para o tratamento da Covid-19. No
momento são as grandes aspirações da humanidade.
No universo pandêmico
fluente, apenas por meio das novas tecnologias da informação uma descoberta científica,
comunicada pela Universidade de Oxford, na Inglaterra, ou pela Universidade de
Pequim, é passível de chegar em tempo real à comunidade científica de todo o
mundo, permitindo agilizar ainda mais os avanços científicos que serão levados ao
conhecimento da humanidade.
Nessa perspectiva, tão
importante quanto as novas descobertas científicas é a informação on-line,
disponibilizada para toda a Terra, mobilizando global e simultaneamente a comunidade
de ciência, em favor dos avanços dos saberes ordenados e da sociedade em escala
mundial. Nesse contexto, confirma-se a essencialidade do bom uso que se deve
fazer das novas tecnologias comunicacionais para o bem da ciência e do ser
humano.
Mutatis Mutandis, assim também deveria
ser o uso individual das redes sociais pelos cidadãos, mormente nessa fase de
reabertura da economia, na produção de informação para a conscientização das
pessoas, no sentido de assumirem uma atitude proativa na promoção de ações de
prevenção e combate ao coronavírus, e respeito ao cumprimento dos protocolos
sanitários, a que todos estamos submetidos na qualidade de cidadãos.
Deveria ocorrer assim, mas,
quando examinamos o uso que é feito das novas tecnologias, o que se constata é
apavorante, e contraria tudo o que se espera e se necessita na realidade em
decurso. Criminosamente, o que vemos é a produção e distribuição massiva das fakes
news, mais do que com o objetivo de desinformar e tentar confundir o
cidadão consciente, buscando induzi-lo ao descumprimento do que está
preconizado nos decretos de isolamento social.
Atos criminosos perpetrados
com o uso das redes sociais são as mobilizações para encontros de grupos, formando
aglomerações nos vários locais em funcionamento, e até incentivando a
desobediência civil; e, não raro, até para provocação de tumultos e desafio às autoridades, com o objetivo de
produzirem vídeos exibicionistas para alimentar vaidades narcísicas e outras alienações.
Umberto Eco, em seu estilo
mordaz, criador de frases sarcásticas, disse que “[…] as mídias sociais deram o
direito à fala a legiões de imbecis que, anteriormente, só falavam no bar,
depois de uma taça de vinho, sem causar dano à coletividade”.
A julgar pelo que
observamos hoje, ele tinha razão!
COMENTÁRIO
Tem toda a pertinência o ilustre articulista ao lamentar que a cultura libertária brasileira
dificulte que o povo compreenda a seriedade do momento, e impeça que ele se autodiscipline
para o uso da máscara, única defesa de que dispõe a humanidade no momento contra
o flagelo do coronavírus.
Eu mesmo comentei meses
atrás sobre uma matéria em que um europeu residente em país oriental registrou
no celular uma zona urbana em que todos, todos, sem exceção, do mendigo à
criancinha, do empresário ao vendedor, adotaram espontaneamente a máscara nos
primeiros dias da pandemia, e por isso haviam ocorrido apenas quatro mortes na
cidade até ali, quando os cadáveres já faziam pilhas mundo afora.
Na ocasião eu comentei que, se o único transmissor do vírus era o aerossol de humores corporais expelido
pelo nariz e pela boca, mesmas vias por onde se podia receber aquele patógeno,
ninguém infectaria ninguém, e ninguém se infectaria. Tampouco restariam contaminadas
as superfícies em geral, já que as pessoas não estariam depositando perdigotos
sobre elas.
E lamentei à época que isso
seria então inviável no Brasil por dois motivos: a um, porque não haveria
mascaras para toda a população brasileira de repente; a dois, porque o nosso
povo não teria a disciplina de adotar a máscara com o rigorismo necessário.
Hoje já temos mascaras para todos... mas o povo como um todo não compreende a importância
do seu uso.
Engana-se Arnaldo Santos em
seu artigo, entretanto, ao dar a entender que somente a classe média sudestina,
os manifestantes de rua a favor do Governo, os que frequentam a noite nas
cidades grandes e as suas praias elegantes sejam os maiores insubmissos, porque nas
cidades pequenas e nas periferias do País as máscaras se transformam em
adereços de pescoço.
Sim, é estranhável que o
Presidente Bolsonaro tenha resistido a essa necessidade e se tenha exposto ao vírus
até ser infectado, o que apenas o insere nesse caldo de cultura nacional que
faz o povo transgredir o que lhe impõe qualquer norma de obediência civil.
Mas esse fato nada tem a
ver com “machismo” ou outro cacoete qualquer que Arnaldo atribui ao Presidente
da República, dando a falsa impressão de que faz contra ele o tal do “discurso
de ódio”. Bolsonaro é igual ao povo que o aplaude, e à massa que o elegeu.
Paciência.
Também ouso dissentir do
nosso ilustradíssimo sociólogo quando ele deixa vazar nas entrelinhas do seu
texto um certo chorume autoritário, no sentido de que o Presidente da República
deveria “obedecer” isso e aquilo.
Pior ainda quando diz que, apud fulano, o “povo” pode ser
classificado como uma “legião de imbecis”, porque organiza manifestações pelas
redes sociais, “até para provocar tumultos e desafiar as autoridades”. Enfim,
seguindo o articulista na linha da frase do Pelé, execrada pelas esquerdas, segundo o qual, “o
povo não sabe votar”.
Para mim, nas democracias,
o povo é a autoridade suprema, e quem o povo elege para a Presidência, para o
bem e para o mal, tem que ser fiel a ele até as eleições subsequentes.
Reginaldo
Vasconcelos
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