sexta-feira, 24 de julho de 2020

CRÔNICA - Quem Não se Comunica... (HE)

QUEM NÃO SE
COMUNICA...
Humberto Ellery*




“Eu não vim para explicar. Vim para confundir” (Abelardo Barbosa – o Chacrinha)



O grande comunicador Abelardo Barbosa, o popular Chacrinha, cunhou a máxima “quem não se comunica, se trumbica” – embora, em relação ao personagem nonsense que criou, lançou também a contraditória frase em epígrafe. 


Realmente, o ato de se comunicar, de transmitir ao outro aquilo que sentimos ou sabemos, é uma operação, aparentemente simples, mas que às vezes se revela extremamente difícil, por vezes impossível.

Mesmo que você se chame Francisco, seja sábio e santo, tenha o dom de falar com os animais, como explicar a um irmão peixe o que seria “sentir sede”?

Por outro lado, existem coisas difíceis de explicar, mas que são fáceis de entender, como a adolescente solteira que vai explicar à própria mãe que está grávida. É difícil de explicar, mas é fácil de entender.

Existem também coisas fáceis de explicar, mas difíceis de entender, como a experiência do gato de Schrödinger. Apesar de hoje muita gente falar em experiências quânticas, como entender que o gato está vivo e morto ao mesmo tempo dentro da caixa? 

Para explicar a “Interpretação de Copenhague”, faz-se necessário um profundo conhecimento do Princípio da Incerteza de Heisemberg, do Conceito e Cálculo de Probabilidades, além de uma grande capacidade de abstração matemática. Eu, por exemplo, consigo explicar a experiência do gato de Schrödinger com muita clareza. Entender é outra história!

E o chamado “diálogo intergeracional”? Como explicar a “envelhecência” a quem ainda está na “adolescência”? Como explicar o que é perscrutar o horizonte e enxergá-lo a olhos nus, ali, bem pertinho, “the final curtain” ao alcance das mãos?

Quando Carpe Diem deixa de ser apenas um lema, mas a continuação da frase “quam minimum credula postero” (confia o mínimo possível no dia de amanhã) torna-se um imperativo de vida (talvez sobrevida)?

Como explicar o que é não ter mais amanhãs, ter apenas “hojes”, que vão se transformando, inexoravelmente, de forma quase frenética em “ontens”?

Se existem coisa fáceis, outras difíceis de explicar, existem coisas que não carecem de explicações. Pra que explicar a um pássaro na gaiola como é voar? Basta abrir-lhe a portinhola. E não se espere que ele vá “cantar no galho do abacateiro, lá no meio do terreiro”. Não, se ele tem o infinito azul para voar. Ou então não merece a liberdade que não pediu, mas recebeu.

Quantos anos tinham Lennon & McCartney quando cantaram “When I get older, many years from now, when I´m sixty-four?” And me? I´m seventy-four, ten years older! Seguramente Sócrates, com sua incomparável capacidade de fazer seus discípulos “darem à luz” seu entendimento (maiêutica), seja capaz de transmitir essas ideias. Eu tenho muita “consciência de minha ignorância”, mesmo não sendo sábio, e confesso minha incapacidade para tal.

Esse diálogo intergeracional é complicado inclusive de mim para comigo. Explico: Quando completei sessenta anos resolvi reler os livros que mais me impactaram quando os li pela vez primeira, ainda bem jovem. Fui revisitar “Crime e Castigo”, “O Pai Goriot”, “O Vermelho e o Negro”, “Os sofrimentos do Jovem Werther”, “Dom Casmurro”, e toda uma vasta lista de livros que me despertaram o amor pela Literatura. Posso afirmar com tranquilidade, que é impressionante como o meu entendimento e as minhas interpretações variaram com a maturidade!

Daí eu entender e aceitar a minha falta de capacidade de explicar aos mais jovens certas atitudes que tomei recentemente. Apenas peço que me perdoem por não pedir perdão, uma vez que nas sofrências do amor não existem culpados, nem sequer existe a culpa. Somos todos vítimas.

Humberto Ellery, bancando o enigmático.


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