sexta-feira, 17 de julho de 2020

CRÔNICA - O Poder do Afeto (HE)


O PODER DO AFETO
Humberto Ellery*




O 3º Imperador Romano, Caius Caesar Germanicus, conhecido como Calígula, era tido como louco, e costumava repetir: “Odeiem-me, contanto que me temam”.

Em seus delírios, investiu seu cavalo Incitatus na condição de Senador e em seguida o nomeou Consul na Bitínia. Tantas ele aprontou que seu reinado durou apenas quatro anos (de 37 a 41 dC) quando ele foi assassinado, aos 28 anos de idade, numa conspiração entre alguns Senadores e membros de sua guarda pretoriana.

O “cientista político” Niccoló de Machiavelli na sua obra “O Príncipe” recomenda que o líder político deve buscar ser amado e temido, mas que, não sendo possível conciliar os dois objetivos,  é mais seguro ser temido do que ser amado”.

Conversando com meu filho Fernando Henrique sobre essas questões contei a ele um fato que presenciei envolvendo seu avô, meu pai, o General Humberto Ellery, quando ele já estava “de pijama” e era então um ex-Vice Governador do Estado do Ceará. Não detinha mais o mínimo poder, que exercera com tanta sabedoria e humildade.

Meu pai conciliou de maneira serena sua altivez com uma insuperável humildade. Pois a altivez, sem a humildade, se infla e torna-se uma insuportável arrogância; enquanto a humildade, sem a altivez, resvala para uma abjeta subserviência. Há que se conciliar as duas virtudes ao mesmo tempo, o que meu pai conseguiu sem nenhum esforço.

Em meados dos anos oitenta eu residia em Brasília, era Técnico de Planejamento e Pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), e meu pai foi lá visitar filhos e netos.

Na primeira manhã na Capital Federal fomos aos restaurantes onde os nordestinos costumavam se reunir para comer carne de sol com paçoca,  tudo bem regado com um chope bem gelado. O primeiro destino foi o Restaurante Xique-Xique, na 108 Sul, onde vislumbrei uma grande aglomeração de deputados cearenses, todos amigos queridos.


Lembro bem do Orlando Bezerra, do Evandro Ayres de Moura, do Leorne Belém, do Cláudio Philomeno, do Lúcio Alcântara, do Haroldo Sanford. Na mesa estavam outros deputados nordestinos, entre os quais o saudoso deputado alagoano Albérico Cordeiro, de famosa gargalhada, carinhosamente chamado de “Nêgo Albérico”, que depois foi prefeito de Palmeira dos Índios (AL), tragicamente  falecido, no ano de 2010, em acidente rodoviário na região de Maceió. 

Quando eu e meu pai nos aproximamos do grupo, todos se levantaram e alegremente o saudaram dizendo: General! E se encaminharam em sua direção para abraçá-lo. O Nêgo Albérico, que não o conhecia, puxou o Lúcio Alcântara pelo braço e perguntou: “Lúcio, quem é esse general tão poderoso que os deputados todos se levantaram para abraçá-lo?”

O Lúcio sorriu e respondeu: “Poderoso não, Albérico: Querido!”. Não sei se o Lúcio se lembra desse fato, tão singelo, que ainda está muito nítido em minha memória afetiva.




COMENTÁRIO

Essa história que Ellery nos oferece em sua crônica, sobre o afeto popular que marca o homem público de espírito elevado, como foi o General Humberto Ellery, me faz lembrar um outro fato que enaltece a probidade, a boa intenção, a boa-fé, a humildade, quando essas virtudes superam o poder político e econômico.

A maior fábrica de artigos de malha do Brasil, a Lupo SA, resolveu receber em São Paulo, nos anos 70, os lojistas do Brasil inteiro cujas empresas revendiam os seus produtos, alguns deles donos de grandes lojas de departamento – e dentre eles um comerciante cearense, o saudoso pai do confrade Paulo Ximenes, fundador do tradicional Empório das Meias.

Foi recebido na Pauliceia como um príncipe – hotel cinco estrelas, motorista à disposição, tratamento vip dispensado pelos anfitriões à sua pessoa. Homem muito positivo, Salomão Ximenes procurou o dono da fábrica, durante a convenção, para lhe dizer que achava estar havendo algum engano:

Seu Lupo, eu sou um pequeno comerciante em Fortaleza, cliente modesto da sua fábrica, de modo que, pela maneira como estou sendo tratado, certamente estou sendo confundindo com um dos grandes empresários convidados”.

E velho Henrique Lupo, sorrindo, lhe respondeu que a consideração que lhe estava dispensando não tinha relação com o volume de negócios que ele representava, nem com o porte da sua empresa, mas porque, dentre todos aqueles convidados, ele era o único que, em décadas, nunca atrasara uma duplicata.

Que essa parábola moral sirva aos leitores, e ao próprio articulista, para entenderem como ocorre o fenômeno do aplauso popular massivo, prodigiosamente conquistado por pessoas simples e honestas, de forma espontânea  pela sua franqueza e atitude intimorata, e pela lisura do seu desiderato – ainda que não inspirem medo e não abusem do poder.

Reginaldo Vasconcelos
   


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