O PODER DO AFETO
Humberto Ellery*
O 3º Imperador Romano, Caius Caesar Germanicus, conhecido como
Calígula, era tido como louco, e costumava repetir: “Odeiem-me, contanto que me temam”.
Em seus delírios, investiu seu cavalo Incitatus na condição de
Senador e em seguida o nomeou Consul na Bitínia. Tantas ele aprontou que seu
reinado durou apenas quatro anos (de 37 a 41 dC) quando ele foi assassinado,
aos 28 anos de idade, numa conspiração entre alguns Senadores e membros de sua
guarda pretoriana.
O “cientista político” Niccoló de Machiavelli na sua obra “O
Príncipe” recomenda que o líder político deve buscar ser amado e temido, mas que,
não sendo possível conciliar os dois objetivos, “é
mais seguro ser temido do que ser amado”.
Conversando com meu filho Fernando Henrique sobre essas questões contei
a ele um fato que presenciei envolvendo seu avô, meu pai, o General Humberto
Ellery, quando ele já estava “de pijama” e era então um ex-Vice Governador do
Estado do Ceará. Não detinha mais o mínimo poder, que exercera com tanta
sabedoria e humildade.
Meu pai conciliou de maneira serena sua altivez com uma insuperável
humildade. Pois a altivez, sem a humildade, se infla e torna-se uma insuportável
arrogância; enquanto a humildade, sem a altivez, resvala para uma abjeta
subserviência. Há que se conciliar as duas virtudes ao mesmo tempo, o que meu
pai conseguiu sem nenhum esforço.
Em meados dos anos oitenta eu residia em Brasília, era Técnico de Planejamento
e Pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), e meu pai foi lá
visitar filhos e netos.
Na primeira manhã na Capital Federal fomos aos restaurantes onde os
nordestinos costumavam se reunir para comer carne de sol com paçoca, tudo
bem regado com um chope bem gelado. O primeiro destino foi o Restaurante
Xique-Xique, na 108 Sul, onde vislumbrei uma grande aglomeração de deputados
cearenses, todos amigos queridos.
Lembro bem do Orlando Bezerra, do Evandro Ayres de Moura, do Leorne
Belém, do Cláudio Philomeno, do Lúcio Alcântara, do Haroldo Sanford. Na mesa
estavam outros deputados nordestinos, entre os quais o saudoso deputado alagoano Albérico Cordeiro, de famosa gargalhada, carinhosamente chamado de “Nêgo Albérico”, que depois foi prefeito de Palmeira dos Índios (AL), tragicamente falecido, no ano de 2010, em acidente rodoviário na região de Maceió.
Quando eu e meu pai nos aproximamos do grupo, todos se levantaram e
alegremente o saudaram dizendo: General! E se encaminharam em sua direção para
abraçá-lo. O Nêgo Albérico, que não o conhecia, puxou o Lúcio Alcântara pelo braço e
perguntou: “Lúcio, quem é esse general tão poderoso que os deputados todos se
levantaram para abraçá-lo?”
O Lúcio sorriu e respondeu: “Poderoso não, Albérico: Querido!”. Não
sei se o Lúcio se lembra desse fato, tão singelo, que ainda está muito nítido
em minha memória afetiva.
COMENTÁRIO
Essa história que Ellery nos oferece em sua crônica, sobre o afeto
popular que marca o homem público de espírito elevado, como foi o General
Humberto Ellery, me faz lembrar um outro fato que enaltece a probidade, a boa
intenção, a boa-fé, a humildade, quando essas virtudes superam o poder político
e econômico.
A maior fábrica de artigos de malha do Brasil, a Lupo SA, resolveu
receber em São Paulo, nos anos 70, os lojistas do Brasil inteiro cujas empresas
revendiam os seus produtos, alguns deles donos de grandes lojas de departamento
– e dentre eles um comerciante cearense, o saudoso pai do confrade Paulo Ximenes,
fundador do tradicional Empório das Meias.
Foi recebido na Pauliceia como um príncipe – hotel cinco estrelas,
motorista à disposição, tratamento vip
dispensado pelos anfitriões à sua pessoa. Homem muito positivo, Salomão Ximenes
procurou o dono da fábrica, durante a convenção, para lhe dizer que achava estar
havendo algum engano:
“Seu Lupo, eu sou um pequeno
comerciante em Fortaleza, cliente
modesto da sua fábrica, de modo que, pela maneira como estou sendo tratado, certamente estou sendo confundindo com um dos grandes empresários convidados”.
E velho Henrique Lupo, sorrindo, lhe respondeu que a consideração
que lhe estava dispensando não tinha relação com o volume de negócios que ele representava,
nem com o porte da sua empresa, mas porque, dentre todos aqueles convidados, ele
era o único que, em décadas, nunca atrasara uma duplicata.
Que essa parábola moral sirva aos leitores, e ao próprio
articulista, para entenderem como ocorre o fenômeno do aplauso popular massivo,
prodigiosamente conquistado por pessoas simples e honestas, de forma espontânea – pela sua
franqueza e atitude intimorata, e pela lisura do seu desiderato – ainda que não
inspirem medo e não abusem do poder.
Reginaldo Vasconcelos
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