APRENDENDO A LER
Edmar Santos
Ontem ele não a
tinha; hoje, apaixonado, espera preservá-la consigo para até o fim de suas
vidas. Não sabe como.
Enquanto ela fala –
ela parece ter ânsia de fala – ele a olha profundamente nos olhos; permanece
calado como quem está tentando ler em seus olhos a infinitude de sua alma,
esperando por essa tentativa de leitura da alma, saber tudo sobre sua amada:
seus medos, seus desejos, seus sonhos.
Que tolo apaixonado! Não sabe que todo
aquele que tenta ler a alma alheia através dos olhos é como que um leitor
noviço, seus próprios olhos “gaguejam”, silabando em repetência, não consegue
ritmar a leitura.
A alma não se lê,
justamente porque não é possível vê-la; a alma se aprecia ouvindo em
revelação, quando ela se externa em silabas que se encaixam em palavras, quando
em meio a frases e orações, configura e verbaliza seus desejos mais íntimos,
suas expectativas em relação a si própria, aos outros, ao mundo. Ainda que emotivamente
ditas, as palavras apresentam as expectativas da alma para – quem sabe ? – além de
escutar, ouvir.
Ela calou-se. Ele
perdeu uma preciosa oportunidade de saber um pouco mais sobre ela, pois, não é
sempre que o momento é propício à uma fala reveladora do ser; por vezes, “palavras
são apenas palavras”. Seus ouvidos estavam fechados pela concentração de seu
olhar no olhar dela; no entanto, pelo olhar apenas se pode entender expressões
de sentimentos relacionais, não de profundidade íntima.
– Você parece não haver
entendido, ou melhor, ouvido uma só palavra que eu falei! – exclamou descontente. Um ouvinte atento
parece ser um dos requisitos para elas, as mulheres, gostarem de seus
parceiros.
– Eu estava lhe
olhando, e de tão admirado de ter você aqui, me perdi um pouco nos meus
próprios pensamentos; mas sim, escutei o que você disse! – ele tentou amainar a situação.
– Então, depois de
eu lhe falar tanto sobre mim, você irá? – ela lhe indagou. Por segundos ele ficou
estático, pensando em uma saída estratégica para àquela situação. Não sabia do
que ela estava falando, não ouviu nada do que revelou de si, nem seu
desejo.
– Meu desejo é
realizar os seus; no entanto, você poderá me permitir uns dias para que eu me
programe? Foi o que lhe veio à cabeça
dizer.
– Bem, minha máquina
de pensar programação, espero que seus bits e bytes não me façam esperar uma
eternidade por uma coisa tão simples. Mas, tudo bem, aguardo.
– Obrigado, minha
querida – ele a agradeceu, ao mesmo
tempo em que segurava sua mão e suspirava de alívio.
– Só não entendo o porquê
de ter que se programar para me acompanhar em uma visita à casa de meus
pais! – ela, em sua ânsia inconformada,
exclamou descontente sem saber que estava dando uma segunda chance a ele para,
finalmente, entender seu desejo, ainda que tenha perdido a melhor parte de sua
fala.
– Você tem razão.
Não há mesmo necessidade de tanto protocolo para isso; vamos amanhã mesmo – aliviado por haver descoberto o desejo da
amada, aprendeu a lição daquele dia.
Ler o outro a quem,
por algum motivo ou situação nos importa, é uma ação que se realiza em manter
atenção empática à fala, ao agir, ao modo ser, para que, por essa empatia
atenta, possamos realizar uma leitura proveitosa e fluída; propiciando que
nossos olhos não “gaguejem” e nosso ouvidos não se fechem e percebam, por fim,
o esplendoroso texto encontrado na linguagem do ser, contida no outro.
Eu já passei por isso. Alguém me olhava mas não me enxergava.Alguém que conseguia me contar do seu trabalho, da sua vida, do seu chefe....Mas se quer ouvia ou via a minha angustia, meus medos, minha dor. A dor de viver ao lado dele.
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