O DEBATE
CIENTÍFICO
Rui Martinho Rodrigues*
A história da ciência é marcada por embates, não raro apaixonados e
pouco científicos. Max Karl Ernest Ludwig Planck (1858 – 1947) teria dito que a
ciência avança funeral a funeral. Exéquias de teorias e modelos ou de
cientistas? Não explicitou, mas deve ser de ambos.
A escola do racionalismo crítico descreve a resistência de velhos
paradigmas em face dos novos, como cegueira dos paradigmas (Thomas Samuel Kuhn,
1922 – 1996).
Gaston Bachelard (1884 – 1962) também disse que o conhecimento pode
ser obstáculo ao conhecimento inovador. As revoluções científicas nunca foram
compreendidas pelos cientistas do seu tempo, por mais que fossem explicadas. Seguidores
da Teoria dos Miasmas (odores fétidos que dariam origem às enfermidades) eram sábios,
estudiosos, inteligentes e dedicados à ciência e ao bem comum.
Mas não aceitaram a teoria dos micróbios (Louis Pasteur, 1822 –
1895) apoiada por evidências. Max Planck, Gaston Bachelard e Thomas Kuhn
analizaram muitos exemplos desse tipo de fenômeno ao longo da história da
ciência.
A ciência não é unívoca. Cientistas têm paixões, interesses,
vaidades, rivalidades e viseiras das tradições e referências teóricas de
autores renomados, que usam tribunas prestigiosas como Universidades famosas, publicam
em periódicos respeitados e têm apoio de movimentos culturais ou políticos
influentes. Títulos e publicações são usados como argumentos de autoridade. Até
existe o comentário segundo o qual quem não tem lattes (plataforma de exibição
de currículos) não morde.
O adjetivo “científico” é peça de convencimento. Os incapazes de
examinar o mérito do que é dito acatam a autoridade “científica”. Um dos
primeiros professores a escrever sob a assinatura “professor doutor”, cumulando
títulos, deu lugar ao comentário que explicava uso dos títulos como necessários,
porque o mérito não era visível.
O debate entre médicos-doutores-professores-pesquisadores e de
instituições como a Organização Mundial de Saúde foi politizado. Apesar da cegueira dos paradigmas e dos
descaminhos da comunidade científica, é a ciência que devemos ouvir sobre a Covid-19.
Efeitos colaterais, comuns à maioria dos remédios, são objeto de restrições
rigorosas no caso dos antivirais usados contra o coronavírus.
O mesmo rigor se aplica aos demais medicamentos? Remédios tão
perigosos foram vendidos durante décadas sem nenhum controle? Usados
continuamente, por longos anos, no tratamento de quadros reumatoides, do lupos,
e no uso profilático contínuo contra a malária, não podem ser usados por poucos
dias na atual pandemia?
O índice de efeitos colaterais graves deveria ser divulgado. Alguns
tipos de penicilina provocam uma reação a cada dez mil pacientes, se a memória
não me engana. Qual é a estatística da Hidroxicloroquina (HCQ)? Usados em outros tratamentos sem
maiores problemas, os efeitos colaterais diferem conforme a patologia ou são
inerentes às propriedades da droga? Quais fatores levaram a resultados
contraditórios nas pesquisas e no uso clínico dos antivirais debatidos? Quais
as diferenças e as explicações dadas pelas partes?
A cientificidade não é uma exigência rigorosa em clínica. Homeopatia
e acupuntura são reconhecidas pelo Concelho Federal de Medicina, e não são
rigorosamente científicas.
A situação de uma emergência, como uma pandemia,
deve aumentar o rigor da cobrança de cientificidade, ou suavizá-la?
Uma droga
usada por longo tempo sem o temor de efeitos colaterais, vendida sem receita
médica, deve ser objeto de restrição no momento da emergência?
O uso da HCQ será abandonado, por temor de efeitos colaterais, nos tratamentos de artrite reumatoide,
malária e Lupus?
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