DIREITO CANÔNICO
E
CANONIZAÇÃO*
Vianney Mesquita**
É preciosa aos olhos do Senhor a morte dos seus santos. (BÍBLIA, Salmos, 115-15).
Na acepção mais
simples possível, o Direito Canônico resulta da conjunção de procedimentos
orientadores da estrutura da Igreja Católica, Apostólica Romana, bem como das
relações estabelecidas entre os que professam esta confissão. Suas fontes
remanescem na Sacra Escritura, nas decisões dos concílios relativas a dogmas ou
disciplinas, nos decretos pontifícios e no costume, quando universal e antigo.
As principais
vertentes librárias, antes da grande ocorrência de Trento – cuja principal
circunstância resta vinculada à propagação do protestantismo de Martinho Lutero
e seguidores – são as coleções de Dionísio Adriano (Século VI), o Decreto de
Graciano (1150), as Leis Extravagantes (1234}, o Sexto (1298) e
as Clementinas (1313). Esse acervo foi reunido pelo ora dito Concílio,
em três fases, de Basileia (Suíça) Ferrara-Florença (Itália), ocorrido de 1431
a 1442, tendo o conjunto assumido a denominação de Corpus Juris Canonici.
Importa exprimir,
por apropriado o momento, o fato de que a mencionada cimeira cardinalícia – o
Concílio em três cidades europeias – foi transferida dessa comuna helvécia para
Ferrara, em 1438-1439, pelo Papa Eugênio IV – OSA, Ordem de Santo Agostinho –
e, depois, para Florença, demorando ali de 1439 a 1442.
Noticia a nascente
livresca adiante referenciada o fato de que o Direito Canônico sobejou bastante
mudado pelo Concílio Tridentino, sucedido de 1945 a 1563, completado, até hoje,
com as bulas papais (5: 1983).
No concernente à
Canonização, do étimo latino canonizatio, e atualizando a informação,
recolhi do Dicionário de Liturgia, do Monsenhor Sabino Guimarães Loyola
(6:1995), a informação de que esse procedimento é de teor
administrativo-judicial, sob as regras do citado Juris Canonici.
Expressa o então
presbítero da Igreja em Sobral-CE-Brasil, ao se reportar à Constituição
Apostólica Divinus Perfeccionis Magister, do Sumo Pontífice João Paulo
II (São João Paulo), sobre a Nova Legislação Relativa à Causa dos Santos,
datada de 25 de janeiro de 1983, que a disciplina para beatificar e canonizar
foi profundamente modificada, pois revogados os lineamentos anteriores, havendo
sido estabelecidas novas orientações e prescrições, facilitando enormemente os
procedimentos para a beatificação e a santificação. Sabe-se – e isto de há
muito é cediço – que a canonização é o ato declaratório da Santa Madre Igreja
de que uma pessoa cujo passamento já ocorreu é um santo, razão por que a
inscreve no Cânon (do grego kanon = régua) dos mortos
santificados, aceitos por ato particular, restrito ao Vaticano, isto é, por
decisão do mais elevado status da clerezia romana, sancionada pelo Sumo
Pontífice.
Consoante exprime
Cavalcante, em matéria para o magazine Superinteressante (7: on line),
no começo da Igreja, inexistia processo formalizado de reconhecimento dos
santos, porquanto “os primeiros mártires cristãos, como Pedro (Apóstolo de
Jesus e o primeiro papa), já eram cultuados popularmente”.
O Autor adita,
ainda, o informe de que a primeira pessoa canonizada por um pontífice romano –
o Papa João XV (acrescentei, sempre, os nomes praticados em circunstância
secular – nascido Giovanni de Gallina Alba Santo Ulrico, bispo de Augsburg (7: on
line ) . Esta, acresço, é uma cidade do Estado da Baviera – Alemanha, hoje
com cerca de 270 mil habitantes).
Prossegue o
Jornalista: “Tudo começa com a investigação do candidato pelo bispo da diocese,
onde é reunido o material referente à sua suposta santidade, com seus escritos
e relato dos milagres”. O prelado, então, indica um promotor da causa para
defender o postulante a santo, bem como um “promotor da fé”, a fim de conferir
e fazer os contra-argumentos (IBIDEM). “Daí são necessários” – prossegue – “que
pelo menos dois milagres autênticos sejam comprovados para que o Papa canonize
o candidato”. (IBIDEM ).
Retorno às lições
históricas de Loyola (6:1995, p. 150), ao exprimir a noção de que, consoante a Divinus
Perfeccione Magister,
[...] não há mais
dois processos: um para beatificação e outro para canonização. Inicia-se o
processo de canonização de um servo de Deus, de natureza administrativa,
instruído com as formalidades de processo judicial, no qual se solicita ao
Papa, por intermédio da Congregação para as Causas dos Santos, a inscrição de
beatos a Igreja Católica. (Impus destaque em preto).
O fecho do
procedimento, exclusivamente de competência do Papa, conduz
[...] o servo de Deus de certa região ou família religiosa a
receber culto eclesiástico. Posteriormente, caso se confirme um milagre
comprovado, o Papa concede a canonização.
É possível, então,
na pedagogia de Loyola – ao explicitar a Constituição Apostólica de Karol Józef
Wojtila (João Paulo II) – fazer a distinção de dois lados – em primeiro lugar,
o procedimento da santificação de jaez administrativo, ao passo que a outra
parte, que são os atos do Sumo Pontífice, de beatificação e santificação, de
teor litúrgico, porquanto já é parte do culto público da Igreja. Poderá
acontecer, então – consuma o Autor – “[...] que o servo de Deus seja somente
beatificado, até mesmo, nunca seja canonizado”. [6:1995].
Já no tempo em que
alguns dos Franciscos, neste passo comentados, foram santificados, de acordo
com os registos da História, bem antes das modificações profundas procedidas
pelo Concílio Ecumênico Vaticano II [1962-1965], o Papa declarava solenemente
inscrita no rol dos santos uma personagem que recebia da Igreja culto público.
Com efeito, caso a
Congregação e os ritos acolhessem a sugestão como legítima, o candidato
começava a ser havido como venerável. Se houvesse praticado virtudes cristãs em
grau elevado e operado no mínimo dois prodígios (milagres), por meio de um Breve
Pontifício, era-lhe concedida a circunstância de beato. Meio século mais
tarde, na ocorrência de mais dois milagres, tinha lugar um extenso processo, no
curso do qual se examinavam os escritos e as virtudes do bem-aventurado.
Divisemos, então, o
que exprime esta vertente (5: 1983). Segue-se que
[...] se efetua a discussão entre o advogado de Deus e o advogado
do Diabo, um dos quais sustenta a causa da canonização, enquanto o outro
contesta. Por fim, desde que é julgada legítima, o Papa resolve a canonização
consagrada por uma cerimônia solene e comunicada por uma bula a toda a
Cristandade. (P. 453).
Consoante o leitor
pode observar, após a edição do citado Documento de São João Paulo II, no
decurso das canonizações – ou de apenas beatificação, como alude Loyola, pois
não há mais peça processual dupla – estas se revestiram de maior simplicidade e
se impregnaram do senso de relativa e também responsável pressa, com a atuação
somente dos causídicos do Alto – o promotor da causa e o incentivador da fé –
nos atos de apoio e conferência/contestação às postulações.
Tal sucede diferente
que alude a literatura mencionada há instantes, referindo-se a um solicitador
de Deus e a um postulante do Demônio, aliás, para mim, em alocução
despropositada e perto de se configurar incivil, por imprimir configuração
satânica à noção de justiça.
Se o consulente
pesquisar acerca da história de santificações ocorridas após a Constituição de
São João Paulo II, editada em 25.01.1983, concordará com os resultados da
simpleza do processo, conforme sobreveio com as canonizações de São João XXIII
e de São João Paulo II, no dia 27 de abril de 2014, o primeiro distante 31 anos
do seu passamento e o segundo divergindo apenas nove de sua trilha para a
glorificação celestial.
Os dois prefalados
casos diferem, pois, em distância estelar, do evento de São José de Anchieta,
também sob notação neste trabalho, no concernente à vagarosidade de seu
processo de beatificação, que só se deu em 1980, mesmo na condição de
venerável, adquirida pouco tempo após seu passamento, em 1597,
Acresce exprimir,
ainda, o fato de que a canonização deste Sacerdote jesuíta hispano-brasileiro
demorou, ainda, 34 anos, decerto por dificuldades de demandas nos enormes autos
processuais de mais de 400 anos, materializada, finalmente, no dia 3 de abril
de 2014, por breve de Sua Santidade, o Papa Francisco.
* Capítulo do Livro
Franciscos Moradores do Céu – Palmácia: Arcádia Nova Palmaciana, 2018 (VM)
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