sábado, 11 de janeiro de 2020

CRÔNICA - A Insurgência do Ovo (ES)



A INSURGÊNCIA DO OVO
Edmar Santos*


Bem isso: ovo. Em sua branquitude ele era e não era. Em seu formato miscigenava perfeição e imperfeição: ovoide.

Defini-lo? Gosto de como Lispector (1920-1977) assim o fez: “Um ovo não tem um si-mesmo. Individualmente ele não existe. (...) não se vê o mundo por ele ser óbvio, não se vê o ovo por ele ser óbvio. E continua: “Ele é mais que atual: ele é no futuro (...) o ovo por enquanto será sempre revolucionário”. Ricos e pobres o procuram.

A representatividade da vida está dentro dele, está fora também. Mas nem por isso é notório, nem nobre. Prefere a humildade de não ser, para tornar-se sumidade nutritiva à vida dos que o buscam.

O “Outro” também foi assim. Chegou como tantos antes dele e após ele. Mas todos os que o buscaram, nutriram-se de vida. Estava dentro dele, estava fora também. Ainda o é.

Não foi dado ao homem compreender nem o ovo nem o Outro. Muito provavelmente por suas complexas simplicidades que fogem à fome dos reles sapiens. Estes últimos têm fome em demasia e, por tal, não contemplam o alimento: comem com voracidade. Poucos oram antes de se alimentarem.

Que o ovo é isso ou aquilo muito se diz; disseram sobre o Outro também. O ovo é rei sem majestade. Questionam sua origem; se ele foi ou não o primeiro. Não importa! Ele não é para que possa estar na boca de todos. Na casa de quem o busca.

Por sua eterna fome no mundo o homem quebrou o ovo sem contemplar a sua essência. Definiram-no como fonte proteica, sem entender sua transcendência geométrica – talvez cósmica – que está descrita em sua própria forma.

Do mesmo modo fizeram com o Outro: definiram sua humanidade, sem entender sua transcendência divina, que estava escrita em suas atitudes e falas. Comeram o ovo; mataram o Outro.

Apesar do homem e por causa dele, multiplicou-se o ovo, vive o Outro.


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