HONESTIDADE
INTELECTUAL
Rui Martinho Rodrigues*
A imparcialidade é impossível? Ser imparcial diante da torpeza pode
ser omissão, conivência ou cumplicidade; a conduta humana é finalista. Esta é a
negação da imparcialidade. O Direito Processual, porém, exige do juiz, no mundo
inteiro, imparcialidade. É uma imparcialidade limitada a uma fase e a certos
procedimentos. O julgador deve ser contra a violação da lei, sendo, portanto,
parcial. Ao detalhar momentos ou procedimentos da imparcialidade estamos
recusando a negação pura e simples da sua possibilidade.
Outro aspecto a considerar é o da honestidade. Pesquisa deve ser
imparcial. Perguntas do pesquisador não devem induzir respostas. Falsificar
dados é desonestidade. Todos condenam o pesquisador que escamotear, falsificar
ou selecionar as fontes de informação ao sabor de seus valores ou interesses. É
possível ser honesto. Por outro lado, a desonestidade da conduta omissiva,
conivente ou cúmplice, é antiética e pode ser crime. A solução da aparente
antinomia é simples: juízo de realidade, de fato ou de existência, honestidade
exige imparcialidade. Juízo de valor requer parcialidade.
A vigilância epistemológica exige imparcialidade na coleta de
informações, na escolha das fontes e dos meios de coleta adequados às circunstâncias
e às especificidades do objeto, como requer a imparcialidade honesta. Assim
também o registro e processamento das informações. A lógica das análises e
interpretações são a porta de entrada da teorização. Agora o juízo valor pode
se fazer presente, acompanhado da parcialidade honesta, não deve, todavia,
contrariar a razoabilidade. Resta aferir este aspecto.
O rigor metódico passa a exigir da teoria que se possa tentar falseá-la.
Não sendo possível testar, ainda que esteja certa, não é válida. O controle de
qualidade do saber só tem este meio de validação. Dispensá-lo é escancarar a
porteira da especulação. Tarot, bola de cristal, baralho e numerologia, ainda
que estejam certos, não são epistemologicamente válidos por não ser possível
submetê-los ao esforço de fasificação. Algumas doutrinas sofisticadas se acham
nesta condição. A dialética foi descrita por Lucio Coletti (1924 – 2001) como “uma
senhora de costumes cognoscitivos fáceis”, que por ser tão abrangente, não pode
ser falseada e desafiar o princípio da não contradição.
O que sobrevive a um teste pode sucumbir a outra tentativa. A
validação é transitória. Esta forma de validação se aplica a tudo e não exclui
a metafísica. A escolha do objeto de pesquisa é uma avaliação de relevância que
considera valores. Alguns problemas podem encontrar soluções sem explicações
satisfatórias à luz da razoabilidade, segundo a perspectiva utilitária. A
autotransfusão, se produzir resultados, ainda que não tenha como ser falseada,
será válida do ponto de vista utilitário.
Autores renomados invectivam contra a “epistemologia eurocêntrica”.
A sabedoria chinesa, a indiana e tantas outras, ainda que não adotem
procedimentos formais de falsificação das teorias, têm base na observação
assistemática da tradição, uma falsificação pela observação assistemática de
longa duração. Crenças religiosas baseiam-se em revelação complementada por
rigorosa hermenêutica. Nada disso é eurocêntrico. A vacina contra a realidade (Thomas
Samuel Kuhn, 1922 – 1996, da escola do racionalismo pós-crítico, não do
crítico) leva os sábios a tentar salvar suas teorias desclassificando o rigor
epistemológico valendo-se de desculpas como o eurocentrismo. A necessidade de
validar o conhecimento é universal. Ideólogos se vacinam contra a realidade.
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