Crônica de Natal
A Cesta Vazia
Altino Farias*
Empresário de sucesso, era figura de destaque
na sociedade e no mundo dos negócios da cidade. Tinha modos finos à mesa de
restaurantes igualmente finos, e maneira rude e fria de tratar as pessoas.
Ano após ano, no mês de dezembro, sempre
recebia muitas cestas de Natal enviadas por parceiros de negócios, políticos,
magistrados e até amigos. Então, mandava sua secretária separar o que lhe
interessava: bons uísques, vinhos finos, champanhe, patês, castanhas; e dar fim
no que sobrasse, sem se preocupar com o destino daqueles produtos. Frio e rude
como sempre.
Mas naquele ano foi diferente. Em meio a
muitas cestas repletas de artigos nobres, recebeu uma vazia. Completamente
vazia. Ficou intrigado. Pela primeira vez em muito tempo procurou o cartão do
remetente, que sempre desprezava. Não havia cartão, somente aquela cesta
insolitamente vazia. Aborreceu-se.
Quem teria a ousadia de enviar-lhe uma cesta
de Natal vazia? Noutra hipótese, quem teria o desplante de subtrair todo o seu
conteúdo, deixando de resto apenas a própria cesta? Seria uma brincadeira de
mau gosto? Alguém queria ridicularizá-lo? Irritou-se mais ainda ao pensar
detidamente sobre o fato.
Os dias que antecedem ao Natal são corridos
para todos, e aquele homem tinha sua atenção nos negócios a fechar para cumprir
a meta anual da empresa que se misturavam a muitos compromissos sociais de sua
atribulada agenda pessoal.
Embora vivendo esse turbilhão, não parava de
pensar na cesta vazia. Quem a enviou? Por quê? Quem lhe subtraiu o suposto
precioso conteúdo? Por que deixar uma cesta vazia chegar ao destinatário? Ainda
irritado, não encontrou respostas.
Telefonemas, apertos de mão e sorrisos
prontos. Num breve intervalo entre uma coisa e outra, veio-lhe um pensamento: a
cesta estava vazia propositadamente para que ele mesmo a preenchesse e enviasse
a alguém. Ora, como não havia pensado nisso antes!? Mas... Preenchê-la com o
que? Enviar a quem?
Receber é fácil. Dar impessoalmente, também.
Receber e dar algo fazendo com que um abraço verdadeiro e um olhar amigo
completem o significado desses atos, porém, é mais difícil.
Então, aquele homem rude e frio no tratar com
pessoas deletou a lista de cestas de Natal que mandara sua secretária elaborar
para aquele ano e pôs-se, entusiasmado, a elaborar uma nova. Uma não,
três!
Na primeira lista estavam entidades de
assistência a necessitados. Procurou saber das que passavam por maior
dificuldade e conversou pessoalmente com seus gestores, identificando a melhor
forma de prestar-lhes auxílio. Lista fechada, tudo foi cuidadosamente
providenciado. O carinho com que tratou esse assunto não impediu seu anonimato
perante o grande público, num gesto elegante e inédito para ele.
Na segunda lista, buscou na memória amigos de
verdade que foram ficando pelo meio de sua caminhada rumo ao mundo gelado e
tenso no qual vivia. Garotos do bairro, do futebol na rua, colegas de classe,
companheiros de faculdade, parceiros do início da vida profissional, das
brincadeiras de bar. Impossível, mas a preocupação foi grande para não esquecer
ninguém.
Com ajuda da família preparou lindas cestas,
muito sortidas e enfeitadas com laços vermelhos de cetim, comentando sobre cada
um daqueles amigos perdidos no tempo à medida o trabalho avançava. O habitual
cartão de congratulações padrão da empresa, que acompanhava suas cestas até
então, foi substituído por outro, com mensagem pessoal escrita de próprio
punho, encerrada sempre com palavras de amizade, carinho e otimismo.
A terceira lista foi para “aqueles” que fazem
da vida apenas um imenso balcão de negócios. A maioria gente influente:
empresários de sucesso, profissionais liberais famosos, políticos, magistrados,
funcionários públicos de altíssimo escalão. Para eles enviou... Cestas vazias,
como a que ele próprio recebera. Agora o anonimato, em vez de remeter à
humildade e solidariedade, instigava uma reflexão: “UMA CESTA VAZIA? MAS QUEM SE
ATREVEU A ENVIAR UMA CESTA VAZIA PARA MIM?”, pensariam eles num primeiro
momento. Depois, que sabe...
Com a mente leve dormiu naquela noite de Natal
um sono bom e profundo. Talvez quisesse sonhar com Papai Noel novamente depois
de longos anos, embora não se julgasse merecedor de tal graça. Na manhã
seguinte foi acordado cedo pela esposa e filhos, todos ao seu redor, na cama do
casal, como não acontecia há muito. Olhou em volta e viu aquela cama como uma
grande cesta de Natal cheia de presentes valiosos e amados e, numa oração
silenciosa, agradeceu ao misterioso remetente daquela cesta vazia. Parece que
Bom Velhinho, enfim, o havia visitado.
Um Feliz Natal a todos!
Que suas “cestas” estejam sempre
repletas de amor e carinho.
COMENTÁRIO:
Perfeito.
Parece, como se dizia "de primeiro" que foi "de vera".
Grande abraço,
Luiz
Rego
Perfeito. Parece, como se dizia "de primeiro" que foi "de vera". Grande abraço,
ResponderExcluirLUIZ REGO