DELAÇÃO DO FIM DO MUNDO
O POLICHINELO DESNUDADO
Reginaldo Vasconcelos*
No
Brasil, ninguém decide ingressar na política partidária por ser altruísta ou
patriota. Os idealistas autênticos são raríssimos nessa atividade. A esmagadora
maioria procura integrar o poder público pela via eleitoral, em quaisquer dos
seus níveis, para se locupletar com as benesses dos cargos – essa é a mais
cristalina realidade.
Há
os que vendem sua popularidade midiática a um partido político, pensando que
como administrador ou parlamentar se pode fazer uma grande obra humanitária, mas logo
encontram o desengano e desparecem do cenário.
Outros
representam igrejas, sindicados e demais instituições de numerosos integrantes, e então entram facilmente na política com fins corporativos. Ainda existem ricos empresários
que, cansados de subornar mandatários, resolvem eles mesmos participar do
processo legislativo ou decisório para proteger pessoalmente seus negócios.
Mas,
em grande parte, o que há na política é aventureiro descarado – falsos
ideólogos, que inapetentes intelectuais, incompetentes profissionais, fracassados
na vida, descobrem no meio político partidário o reino da malandragem
desvairada, da mentira cavilosa, da ilusão dos desvalidos, do enriquecimento fácil.
Em
seguida se profissionalizam na política, se reelegem seguidas vezes por meio de
falsas promessas de campanha, de manobras, de conchavos, e, não satisfeitos, alguns
colocam os próprios cônjuges na carreira, para garantir a alternância da
família no poder.
Muitos
adotam ainda o “filhotismo”, legando a membros da prole o seu “capital
eleitoral”, criando verdadeiras dinastias políticas, como se o voto do
eleitorado de cabresto fosse um patrimônio pessoal.
Os
salários dos ocupantes de cargos eletivos, em todas as esferas da administração
pública, são generosos, e às vezes excessivos, acumulando vantagens que vão
sendo criadas por normas espúrias – emendas e portarias – conforme tem evidenciado
o recente movimento contra os “supersalários” de alguns membros dos três Poderes
da República, os quais recebem remunerações superiores aos vencimentos dos
ministros do Supremo Tribunal, o que é inconstitucional.
Todavia,
há uma cotação informal relativa às despesas de campanha para a eleição de candidato para um mandato qualquer, de modo que cada cargo pleiteado tem um preço definido e
consabido – e sabidamente o valor que o candidato se obriga a gastar para se
eleger é sempre muito superior ao montante que o eleito vai receber em subsídios
e proventos.
Ora,
se esse dispêndio eleitoral supera muitas vezes a receita salarial do
parlamentar ou executivo, é óbvio que outras compensações financeiras, não
republicanas, são por ele previstas e consideradas.
É
verdade que o candidato não suporta sozinho as despesas de campanha, os seus
comícios, a sua propaganda. O cofre público financia grande parte da farra
eleitoral, através da verba partidária e do horário gratuito de rádio e de TV.
Mas,
pior ainda, as grandes campanhas se financiavam também com as grandes empresas
que contratam com os governos, as chamadas empreiteiras, que absurdamente a lei
até recentemente permitia fizessem doações oficiais a partidos políticos,
dinheiros que elas recuperavam em obras superfaturadas, compensações negociais
ilícitas futuras que lhes garantiam tacitamente os candidatos.
Acontece
que as verbas oficialmente doadas precisam ter aplicação contabilizada, para
prestação de contas perante os tribunais eleitorais. Com elas, para os
políticos, fica muito difícil enriquecer, para entrar na política pobre e sair
dela milionário, como soe acontecer.
Então,
surge aí a figura das contribuições de “caixa dois”, com numerário
extraoficialmente distribuído por empresas aos “homens da pasta preta” dos partidos, em
agências de publicidade, em escritórios de advogados, em contas bancárias secretas
estrangeiras, nos chamados “paraísos fiscais”.
Contribuição
oficial a campanha eleitoral por empreiteira de governos era uma aberração
legal até aqui, e o caixa dois era e continuará sendo ilícito. Mas essa prática, de fato generalizada, era tacitamente aceita por uma ética parcial
vigente no meio político, dentro de um pacto silencioso entre os que militam
nessa área, um segredo de polichinelo, de que não se falava abertamente, mas
que todos sempre souberam que existia – e mais – para eles era essencial que ela
existisse.
“A
política é assim mesmo” – teria dito recentemente o Presidente Michel Temer,
justificando o assédio de seu ministro raposa velha, a um jovem outro, ainda indefesa
galinhola. O mesmo argumento conformista valia para defender quem recebia
recursos de empreiteiras através do caixa dois – o que não exclui quase ninguém
– além daqueles políticos magnatas que se autofinanciam nas suas campanhas e se
auto-ajudam nas manetas do poder, protegendo suas empresas e seu patrimônio.
Agora
a “delação do fim no mundo”, feita pelos executivos da Odebrecht, coloca a nu o
polichinelo mentiroso. O que todos sabiam, ou desconfiavam, agora estão todos
vendo escancarado, para espanto das massas ingênuas que idealizam a política e
viam políticos farsantes como líderes sociais. E com um Supremo Tribunal “acovardado”,
nas palavras proféticas de Lula da Silva, o nosso País segue à deriva. Que Deus de apiade de nossas almas!
Ilustrações: Pinturas de Pablo Picasso.
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