A IDEIA DA PALAVRA BISSEXTO
Vianney
Mesquita*
Primum vivere deinde philosophare.
Amigos
e pessoas modestas a mim chegadas, nomeadamente não muito afeitos ao trato
literário, me perguntam, com recorrência, acerca dessa dicção, empregada a
miúdo com relação aos poetas e escritores pouco produtivos ou de produção
singular.
Em
2012, derradeiro ano bissexto decorrido, as indagações mais afluíram, de modo
que passo a narrar o assunto, louvado no Lello Universal, um dos meus volumes
de travesseiro, tantas vezes aqui mencionado, porquanto obra de referência da
melhor crase.
Colho dali a ideia de que, no tempo do Império
Romano, sob Caio Júlio César, o ano vulgar possuía 365 dias. Como o movimento
de translação anual da Terra à volta do Sol somente se completa após 365 dias
mais um quarto, as seis horas restantes ensejavam divergências entre o ano
civil e o moto dos corpos celestes – estrelas, planetas, nebulosas, cometas
etc.
Júlio
César, então, convocou o astrônomo Sosígenes, de Alexandria, e contratou com
ele a solução do problema. O Sábio alexandrino, pois, decidiu estabelecer que,
de quatro em quatro anos, seria acrescentado um dia ao mês de fevereiro,
resultado da soma das horas sobrantes de 365 dias nos quatro anos. Tal
significa dizer que, empós um ano de 366 dias (bissexto = duas vezes sexto), se seguiriam três de 365 e um de 366
dias. De tal maneira, não parece correto se dizer que um ano perfaz 365 e seis
horas.
Curioso
é notar o fato de que todos os anos cuja expressão numérica é divisível por
quatro são bissextos, com 366 dias,
como nos casos de 1.600, 1.200, 800 e 2.000.
Os
anos seculares, salvante esses do exemplo e outros cujos dois algarismos
iniciais não se expressam como exatamente divisíveis por quatro, não resultam bissextos, razão por que o ano secular
de 1.900 não o foi.
Em
alusão a essa periodicidade do tricentésimo sexagésimo sexto dia, inventou-se,
no Brasil, uma locução neológica, desusada noutras nações lusófonas – poeta bissexto/escritor bissexto.
Esse
neologismo, então, tenciona conotar o estado daquele, particularmente do poeta,
dedicado excepcionalmente à literatura, fazendo poucos versos, o que sugere se
evocar, em razão dessa escassez de produção, o dia bissexto de fevereiro (29) e os anos bissextos.
Ocorre,
exempli gratia, com EUCLIDES
Rodrigues Pimenta DA CUNHA, celebrado autor nacional das letras social,
histórica e política. O Autor fluminense produziu extraordinárias obras neste
fertílimo terreno, internacionalmente conhecidas e acatadas, como, v.g., Peru versus Bolívia, Contrastes e Confrontos, À Margem
da História e o admirável Os
Sertões, além doutras de fecunda inspiração e lúcidas ilações.
Euclides
da Cunha (*Cantagalo-RJ, 20.01.1866 ; + Rio de Janeiro, 15.08.1909) achou de
escrever, em meio às produções do seu gênero, o Soneto sequente, que extraí de Os mais Belos Sonetos Brasileiros, livro
de Edgard Resende (Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1945):
Se acaso uma alma se fotografasse,
De sorte que nos mesmos negativos
A mesma luz pusesse em traços vivos
O nosso coração e a nossa face ...
E os nossos ideais, e os mais cativos
De nossos sonhos ... se a emoção que
nasce
Em nós também nas chapas se gravasse
Mesmo em ligeiros traços fugitivos ...
Amigo! Tu terias com certeza
A mais completa e insólita surpresa
Notando - deste grupo bem no meio
Que o mais belo, o mais forte e o mais
ardente
Destes sujeitos é precisamente
O mais triste, o mais pálido e o mais
feio.
Muitos
dos literatos nacionais fizeram versos assim, bissextamente.
Há
alguns livros, especialmente de sonetos (duas estrofes de quatro versos =
quartetos; e duas de três = tercetos ou trísticos), enfeixando a produção de
poetas bissextos, o mais importante
dos quais, pela sua contemporaneidade, é a Antologia
dos Poetas Bissextos Contemporâneos, organizada por MANUEL Carneiro de
Sousa BANDEIRA Filho.
A
produtiva industriosidade neológica brasileira – cearense, nomeadamente – já se
serve de estender mais ainda o alcance de bissexto,
de maneira que se diz, progressivamente, economista bissexto, administrador bissexto,
articulista bissexto advogado,
orador, comentarista e até bebedor bissexto;
tudo isto sem remissão a fevereiro como o mês em que, por motivo óbvio, a
mulher fala menos...
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