quarta-feira, 22 de outubro de 2014

ARTIGO (RV)

A FEBRE DA SIMPLIFICAÇÃO
Reginaldo Vasconcelos*


Na década de 60 do Século XX se previa que o homem do ano 2.000 teria a cabeça crescida e a musculatura atrofiada. Naquele tempo se referia a esse remoto fim de século para significar o futuro distante.

Essa previsão defluia da ideia de que a tecnologia evoluiria tanto que as pessoas iriam usar muito mais o cérebro que a estrutura muscular. Foi mais uma projeção científica da época que não se confirmou na realidade. Nada de cabeçorras e raquíticos.

Paralelamente à tendência de se diminuir o esforço físico na rotina diária, por meio da crescente automação, na modernidade disseminou-se pelo mundo todo o culto ao corpo ginástico, tanto quanto se fazia nos tempos olímpicos da Grécia Antiga, da Roma de Spartacus, do medievo das justas e torneios. Hoje, quem é sedentário na vida profissional se torna um fisicultor, um desportista, ou pelo menos um caminhador diletante, nas manhãs e mas tardes, pelas vias urbanas e rurais.

Por outro lado, no que tange ao cérebro, esse, sim, tem sido cada vez mais poupado de suas funções originais, quando se procura hodiernamente simplificar ao máximo o aprendizado e o raciocínio. A começar pela hiperespecialização, em que cada um tem que saber o máximo, mas sobre o mínimo possível. Todo o resto do Universo não interessa.

Por exemplo, antigamente, no mundo todo, os garotos estudavam latim e grego, para conhecerem a fundo as raízes do idioma. Hoje, como o último artigo do acadêmico Wilson Ibiapina neste Blog sinaliza, sobre a nova tentativa de alteração ortográfica,  a ideia é enterrar as raízes, esquecer os detalhes, passar o conhecimento no filtro do menor esforço, de modo que somente o mínimo essencial seja conhecido e aplicado.

A cabeça não cresce, pois o mundo ficou simples e óbvio, com o computador substituindo o cérebro,  enquanto os corpos bem nutridos e exercitados ganham estatura e belas proporções. Enquanto isso o sistema digestivo da pessoa moderna se amofina, em razão das rações concentradas, das carnes maturadas, dos alimentos sem fibras, das farinhas refinadas, das poções artificiais pré-digeridas. Não resta muita coisa para os processos químicos do estômago, e para a missão funcional dos intestinos.

Pelo andar da carruagem poderíamos até prever, com a mesma ousadia dos antigos, que no ano 3.000 as pessoas, microcéfalas e corpulentas, farão remover cirurgicamente as próprias vísceras gástricas, para almoçar apenas uma pílula, que será absorvida imediatamente ao ser colocada sob a língua. O sexo, por sua vez tão complicado, tornar-se-á unicamente virtual.

Os símbolos de carinhas, os tais "emotions", farão a comunicação escrita, é a comunicação oral certamente será, enfim, monossilábica.


*Reginaldo Vasconcelos
Advogado e Jornalista
Titular da Cadeira de nº 20 da ACLJ

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