terça-feira, 14 de outubro de 2014

CRÔNICA (AG)

ESTA FELICIDADE NÃO
É PARA PADRE PEDRO
Aluísio Gurgel do Amaral Jr

Em começo de carreira, quando respondia pela comarca de Brejo Santo, deparei-me com um processo que tematizava autorização para pesquisa mineral. Confessadamente ignorante na matéria, aproveitei a presença de dona Maria Brasil (a quem adotei por madrinha e mestra) e perguntei sobre eventual existência de modelo que me pudesse orientar. Ela olhou o processo e exclamou: "Ah, Doutor, esta felicidade não é para Padre Pedro, não!". E saiu.

Levou alguns instantes para a ficha cair, mas caiu.

 – Dona Maria – interrompi-lhe a caminhada rápida no rumo do cartório. Mais que depressa, ela deu a volta sobre um pé:

– Pois não, Doutor? -- e se dispôs assim mesmo, interrogando.

– Essa expressão aí, da felicidade do padre, significa o quê?. Um sorriso estampou-se em seu rosto:

– O senhor nem queira saber, Doutor  – e pousou os processos na mesa, e puxou uma cadeira, e sentou, e contou.

Padre Pedro era pároco de Brejo Santo. Velhinho, quase surdo e bondoso, não encontrando outra alternativa para manter a sopa dos pobres, passou a vender imagens, castiçais, tabernáculo e tudo o mais que pudesse ser convertido em moeda corrente.

Ao dar-se conta do fato, a comunidade reunida resolveu "reconstruir", por assim dizer, a paróquia. A sopa dos pobres de Padre Pedro mereceu especial atenção e mesmo a frequência ao culto regular melhorou bastante.

Entusiasmado, o bom velhinho adquiriu alma nova para o trabalho religioso e as missas dominicais. Quem passasse do outro lado da Matriz acompanharia fácil, fácil. Não satisfeito, Padre Pedro também resolveu que era necessário tomar confissões e foi justamente aí que a porca torceu o rabo. Certa feita, um cidadão confessou:

– Padre Pedro, eu traí o matrimônio... – E Padre Pedro aos berros:

– O quê, meu filho? Fale mais alto que Padre Pedro é surdo...

Sem opção, ele repetiu aos gritos:

– Padre Pedro, eu traí o matrimônio!

O velhinho arregalou os olhos e sentenciou:

– Cabra sem vergonha, vá ali no altar pagar um Padre-Nosso e dez Ave-Marias!.

O desgraçado ainda buscou reconsideração:

– Mas Padre Pedro, a menina bem novinha, veio e sentou-se no meu colo... Se fosse o senhor, o que faria?

E veio a confirmação da sentença:


– Esta felicidade não é para Padre Pedro não, meu filho... Vá pagar sua penitência!.

*Aluísio Gurgel do Amaral Jr. 
Juiz de Direito, Professor, Músico, Escritor
Titular da Cadeira de nº 14 da ACLJ


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